domingo, 19 de dezembro de 2010

3299. Cronologia do nascimento de um tornado

Eram 10h30 de 7 de Dezembro quando Paulo Pinto, da Divisão de Observação Remota do Instituto de Meteorologia (IM), detectou nas imagens do radar meteorológico no Algarve o início de um fenómeno anómalo. Ainda não sabia – nem podia saber só por essas imagens – que via a semente do que, quatro horas depois, seria um tornado que afectou Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã.
Uma coisa, pelo menos, o meteorologista suspeitava: o radar na serra do Caldeirão, perto de Loulé, estava a detectar um fenómeno que podia vir a ser perigoso. Estava no mar, a 180 quilómetros a sudoeste de Lisboa e a 220 do radar. Um dos parâmetros obtidos pelo radar é a reflectividade, que é mais elevada quanto maior for o diâmetro das partículas na atmosfera (o granizo reflecte mais que as gotas de chuva, e estas que o chuvisco). Ora o fenómeno tinha valores de reflectividade muito elevados, o que fazia supor que podiam estar a formar-se condições meteorológicas severas.
Na imagem das 10h30 foi quando surgiu a semente do tornado, um ponto a amarelo ao largo de Sines (e não a mancha vermelha mais acima). De dez em dez minutos, iam chegando imagens do radar do Algarve, o único a funcionar agora em Portugal continental. Essa sequência de imagens ia dando ideia da evolução do fenómeno. A mancha inicialmente mais encarnada acabou por se desvanecer. E aquela que agora se sabe ser a génese do tornado ficou maior e foi-se deslocando para terra.
Pelas 12h50, essa mancha vermelha entrava em terra sobre a zona do cabo da Roca. Só a partir desta altura foi possível dizer que aquela estrutura era uma supercélula – nuvens em rotação, que podem originar precipitação intensa, granizo, um tornado ou outro fenómeno severo. Foi então que o IM contactou a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), como é costume quando se detectam estas estruturas e quando a sua progressão vai fazer-se sobre o território português. "Neste caso, a ANPC recebeu o aviso por parte do IM com cerca de uma hora de antecedência do tornado", conta Sérgio Barbosa, o coordenador da Divisão de Observação Remota do IM.
"Ainda que a previsão de tornados não seja possível, sabe-se que as supercélulas são sempre responsáveis por mau tempo, mesmo que não tenham associada a ocorrência de qualquer tornado, produzindo chuva forte, granizo ou saraiva, trovoada e vento forte horizontal", explica Paulo Pinto. "Olhando só para as imagens de radar, não podemos dizer que é um tornado. Podemos dizer que é um fenómeno meteorológico perigoso que vai afectar uma região e que justifica a intervenção de mecanismos de protecção civil. Mas dizer que é um tornado, com base nesta informação, é quase impossível", acrescenta Sérgio Barbosa.
Podia ter havido informação sobre a velocidade dos ventos se o radar de Coruche, mais perto do fenómeno, não estivesse avariado há duas semanas (o alcance para os ventos só vai até aos 100 quilómetros). Mesmo assim, não poderia garantir-se que se desenvolveria um tornado, diz Barbosa.
Já sobre terra, a supercélula continuou a mover-se para nordeste e às 13h30 passava sobre a região de Torres Vedras. Ainda não era um tornado, o que quer dizer que o turbilhão de vento não tinha atingido o solo. Foi antes de Tomar que o fenómeno se tornou um tornado. E houve um pouco de tudo: chuva intensa e granizo, além dos ventos fortes. Pelas 14h30, o tornado chegou a Tomar. Passou ainda por Ferreira do Zêzere e Sertã e, pelas 15h30, saía do alcance do radar do Algarve, a 300 quilómetros. Atrás de si, deixava 50 quilómetros de rasto.
Entre 1927 e 2009, há o registo de 55 tornados em Portugal, segundo dados do IM. Um deles, em 1954, em Castelo Branco, fez cinco mortos e 220 feridos e nos outros houve um morto e 50 feridos. "As varandas ficaram torcidas", alguém disse do tornado de 1954. Ou, em 1995, na Ribeira da Ladeira, Estarreja: "As vacas apareceram embrulhadas nas silvas."
Teresa Firmino
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Fonte: PÚBLICO

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