O receio de que esteja iminente uma repetição da crise
alimentar de 2007-2008 está a crescer a nível global. No mês passado, os preços
dos alimentos aumentaram seis por cento nos mercados mundiais e os importadores
estão a adquirir sofregamente a colheita de cereais dos Estados Unidos o maior
exportador mundial deste tipo de produtos. Uma das principais razões está no
facto de a produção dos EUA ter encolhido este ano, drasticamente, devido à
seca, fazendo os preços do milho atingir novos recordes.
Um relatório governamental divulgado revela
que um sexto da colheita de milho dos Estados Unidos ficou destruída em apenas
um mês devido à pior seca dos últimos cinquenta anos. O departamento da
Agricultura dos EUA reviu em baixa as previsões para a colheita deste ano,
diminuindo em 16,9 por cento as estimativas de Julho. No que respeita à
colheita de soja, as previsões também foram revistas em baixa, tendo havido uma
redução de 11,7 por cento em relação à estimativa feita no mês passado. Estes
números representam uma quebra, em relação a 2011, de 13 por cento à produção
de milho e de 12 por cento, no que respeita à soja.
A presente conjuntura já levou a subidas de entre 25 a 50
por cento dos preços do trigo, do milho e da soja. Sendo que no caso dos
últimos dois cereais, os preços já ultrapassaram os da crise de 2007-2008.
"El Nino" piora situação – A somar-se às
preocupações está uma previsão do serviço meteorológico do Japão, segundo a
qual o fenómeno meteorológico conhecido por El Nino já se começou a produzir e
deverá manter-se pelo menos até ao Inverno, o que faz supor a continuação de
condições meteorológicas desfavoráveis até o final do ano.
Estes dados aguçaram o apetite dos especuladores nos
mercados mundiais de alimentos que funcionam como os de qualquer outro produto
de consumo. O relatório do governo americano fez com que o preço de referência
dos futuros sobre o milho subisse imediatamente mais de 3 por cento, atingindo
um pico recorde por alqueire.
Face a este panorama, a agência alimentar da ONU está a pôr
em guarda os governos para que evitem o tipo de práticas comerciais que, em
2008 contribuíram para agravar a crise. “Existe o potencial para que a situação
se desenvolva da mesma forma que em 2007/2008”, disse à Reuters o economista e
analista da Organização da Alimentação e Agricultura Abdolreza Abbasian.
ONU adverte contra repetição das "más políticas" –
“Espera-se que desta vez não se venham a produzir más políticas e intervenção
nos mercados através de restrições” disse Abassian; “se isso não acontecer, não
assistiremos a uma situação tão séria como a de 2007/2008. Mas se essas
políticas se repetirem, tudo é possível”. Recorde-se que a crise de 2007/ 2008
foi provocada por uma mistura de factores que incluíam o alto preço do petróleo,
a cada vez maior utilização de biocombustíveis, o mau tempo e uma série de
políticas de exportação restritivas, proibições à exportação e aumento das
tarifas, que fizeram disparar os preços dos alimentos e estiveram na origem de
motins em mais de 30 países, do Bangladesh ao Haiti.
Segundo Abassian, desta vez, a existência de stocks
abundantes de arroz, a crise económica mundial e o facto o preço do petróleo
estar mais baixo do que em 2007/2008 pode ajudar a evitar uma subida drástica
do preço dos alimentos. No entanto já há alguns sinais alarmantes, que incluem
indícios de que alguns governos estão antecipadamente a adquirir e a armazenar
stocks invulgarmente grandes de cereais numa espécie de “açambarcamento” a
nível estatal.
As exportações de milho dos EUA na última semana atingiram o
segundo pico mais alto dos últimos dez meses, encontrando-se incluída neste
número uma operação de aquisição única, quase recorde, feita por importadores
do México, que é o segundo maior importador a nível mundial.
Ressurge o debate “alimentos versus Combustíveis” – O perigo de
uma repetição da crise alimentar, renovou o debate sobre a produção de
biocombustíveis que consome uma parte significativa da produção de milho. No
caso dos EUA, cerca de 40 por cento da colheita destina-se habitualmente à
produção de etanol.
O diretor-geral da Agência das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura, José Graziano da Silva, apelou a uma “suspensão
temporária, com efeitos imediatos” do mandato federal dos EUA, que obriga as
companhias americanas de combustível a garantirem que, este ano, 9 por cento
das suas reservas sejam compostas de etanol. “Uma grande parte da colheita já
de si reduzida vai ser reclamada pela produção de biocombustíveis, para cumprir
com os mandatos federais a esse respeito, o que vai deixar ainda menos [milho]
para os mercados de alimentação de pessoas e gado” escreveu Graziano da Silva
no jornal Financial Times. “Uma suspensão imediata, temporária desse mandato
daria algum descanso ao mercado e permitiria que uma porção maior da colheita
fosse encaminhada para utilizações alimentares e para o gado”.
O diretor – geral da Agencia das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura, não é o único a pressionar os Estados Unidos para
que afrouxem as quotas de integração de etanol. Esta semana, 25 senadores dos
EUA pediram à Agência de Proteção Ambiental, para que ajuste o mandato, e o
executivo-chefe do gigante de produção de cereais Cargill disse que deveria ser
o mercado a ditar a utilização de biocombustíveis. Os primeiros a fazer apelos
neste sentido tinham sido os criadores de gado americanos, que são forçados a
licitar contra os produtores de biocombustíveis e assim têm de pagar mais para
alimentar os seus animais.
No entanto, a Agência de Proteção Ambiental ainda não
recebeu nenhum requerimento oficial para mudar as regras, o qual, ao abrigo da
lei, só poderia ser feito por um governador de Estado, ou por uma das
companhias que se dedicam à mistura de combustíveis.
António Carneiro
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Fonte (Texto e imagem): RTP
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