Entrevista de Pedro de Almeida Vieira ao Diário de Notícias
(edição de 13 de Julho de 2006):
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(edição de 13 de Julho de 2006):
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Seis meses gastos a dissecar temas, passando horas e horas a consultar dados e estatísticas, confrontando-os, lendo-os e relendo-os. O resultado desta investigação, e o facto de ser inédita, promete abalar a percepção que os portugueses têm do quente tema dos incêndios florestais. Para o autor, este exercício de análise e interpretação era urgente para desfazer alguns mitos.O livro destrói muitos mitos sobre os incêndios florestais no nosso País.
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DN-O que o levou a escrevê-lo?
PAV-A evolução da última década. Portugal passa de anos com 100 mil hectares de área ardida para outros com 400 mil. Somos o país com maior taxa de desflorestação causada pelos fogos a nível mundial. E isso aconteceu ao mesmo tempo que houve investimentos enormes nos meios de combate. A área ardida aumentou quase proporcionalmente aos gastos. Causa-me ainda grande indignação que todos os anos haja promessas de mudança e nada mude. Só a aérea ardida, que é sempre maior.
DN-No livro ninguém sai impune: bombeiros, políticos, autoridades policiais e população. Somos todos responsáveis?
PAV-Esta investigação desmonta vários mitos como o de que ao tempo quente e seco corresponde mais área ardida, pois clima mediterrânico já cá existe há dez mil anos. Mesmo com as agravantes resultantes das alterações climáticas, somos o único país da Europa do Sul com aumentos brutais na área ardida. Também sempre estranhei a exagerada tónica que se dá ao mito do incendiário, que surge como bode expiatório para desculpar as atitudes de negligência da maior parte da população. Constatei ainda que, nos últimos cinco anos, só 4,5 % dos fogos foram investigados. E que onde há mais incêndios não há mais investigação.
DN-Como vê a actuação dos governos?
PAV-Tem sido de uma irresponsabilidade atroz. Não houve um único governo que tenha levado a sério este problema. Ainda alimentam mais os mitos, como o dos malvados que metem fogos. Ao nível da legislação, fiz uma comparação da que foi produzida nos últimos 30 anos e é basicamente igual. Por exemplo, fumar na floresta já era proibido nos anos 70.
DN-Mas como é que um governo pode exigir e actuar se tem por base uma estrutura que assenta em voluntários e sobre a qual não pode ter muita mão?
PAV-Tem de tomar uma decisão de fundo que é mudar completamente o sistema e assentá-lo numa estrutura profissional. Há uma má distribuição das corporações, pois onde temos mais área ardida é onde há menor capacidade de intervenção. Os meios aéreos têm sido um negócio que deixa muito a desejar, porque não são eficazes, não estão bem localizados e o seu uso não é adequado. Não é sensato que Espanha investigue 85% dos fogos e nós 4,5%; que os governos tenham deixado as autarquias permitir a construção em área florestal; que os postos de vigia consigam localizar apenas 13% dos incêndios; e que o Governo tenha medo de fazer uma avaliação à intervenção dos bombeiros. Devia ser criado um pacto a nível político para criar estabilidade e se lançarem políticas de fundo. Não podemos admitir que um governo tenha um ano de graça que justifique a desgraça. Outro problema estrutural é o despovoamento rural, a crise florestal e a crise agrícola. Não podemos esperar milagres quando o País se desertifica no interior. Inverter isto agora é muito complicado. Temos de reconhecer que não podemos ter a floresta que gostávamos de ter e que há situações em que reflorestar é perpetuar a desgraça. E do ponto de vista económico é desastroso.
DN-Como encara então as mudanças apresentadas pelo Governo este ano?
PAV-Não vejo grandes alterações. A única coisa em concreto que vejo de novidade, embora ainda de forma tímida, é a criação das brigadas helitransportadas. Mas a sua distribuição não faz sentido em alguns casos. Por exemplo, ter uma em Faro não faz qualquer sentido, porque ardeu quase toda a floresta, e não vai arder agora. Em Sines é outro disparate, pois metade da sua área de intervenção (raio de 30 km) é no mar.
DN-Os portugueses têm noção da dimensão deste problema?
PAV-Há dois países, o que arde e sente na pele o fogo e o que assiste pela televisão. Há concelhos que não ardem e outros que ardem sempre. Mas as imagens de televisão relativizam o drama que se vive, não apenas durante o fogo, mas essencialmente, aquele que vem depois, em termos económicos e sociais. O fogo está a ser a última machadada no despovoamento do interior. É a morte social de algumas regiões do País.
PAV-A evolução da última década. Portugal passa de anos com 100 mil hectares de área ardida para outros com 400 mil. Somos o país com maior taxa de desflorestação causada pelos fogos a nível mundial. E isso aconteceu ao mesmo tempo que houve investimentos enormes nos meios de combate. A área ardida aumentou quase proporcionalmente aos gastos. Causa-me ainda grande indignação que todos os anos haja promessas de mudança e nada mude. Só a aérea ardida, que é sempre maior.
DN-No livro ninguém sai impune: bombeiros, políticos, autoridades policiais e população. Somos todos responsáveis?
PAV-Esta investigação desmonta vários mitos como o de que ao tempo quente e seco corresponde mais área ardida, pois clima mediterrânico já cá existe há dez mil anos. Mesmo com as agravantes resultantes das alterações climáticas, somos o único país da Europa do Sul com aumentos brutais na área ardida. Também sempre estranhei a exagerada tónica que se dá ao mito do incendiário, que surge como bode expiatório para desculpar as atitudes de negligência da maior parte da população. Constatei ainda que, nos últimos cinco anos, só 4,5 % dos fogos foram investigados. E que onde há mais incêndios não há mais investigação.
DN-Como vê a actuação dos governos?
PAV-Tem sido de uma irresponsabilidade atroz. Não houve um único governo que tenha levado a sério este problema. Ainda alimentam mais os mitos, como o dos malvados que metem fogos. Ao nível da legislação, fiz uma comparação da que foi produzida nos últimos 30 anos e é basicamente igual. Por exemplo, fumar na floresta já era proibido nos anos 70.
DN-Mas como é que um governo pode exigir e actuar se tem por base uma estrutura que assenta em voluntários e sobre a qual não pode ter muita mão?
PAV-Tem de tomar uma decisão de fundo que é mudar completamente o sistema e assentá-lo numa estrutura profissional. Há uma má distribuição das corporações, pois onde temos mais área ardida é onde há menor capacidade de intervenção. Os meios aéreos têm sido um negócio que deixa muito a desejar, porque não são eficazes, não estão bem localizados e o seu uso não é adequado. Não é sensato que Espanha investigue 85% dos fogos e nós 4,5%; que os governos tenham deixado as autarquias permitir a construção em área florestal; que os postos de vigia consigam localizar apenas 13% dos incêndios; e que o Governo tenha medo de fazer uma avaliação à intervenção dos bombeiros. Devia ser criado um pacto a nível político para criar estabilidade e se lançarem políticas de fundo. Não podemos admitir que um governo tenha um ano de graça que justifique a desgraça. Outro problema estrutural é o despovoamento rural, a crise florestal e a crise agrícola. Não podemos esperar milagres quando o País se desertifica no interior. Inverter isto agora é muito complicado. Temos de reconhecer que não podemos ter a floresta que gostávamos de ter e que há situações em que reflorestar é perpetuar a desgraça. E do ponto de vista económico é desastroso.
DN-Como encara então as mudanças apresentadas pelo Governo este ano?
PAV-Não vejo grandes alterações. A única coisa em concreto que vejo de novidade, embora ainda de forma tímida, é a criação das brigadas helitransportadas. Mas a sua distribuição não faz sentido em alguns casos. Por exemplo, ter uma em Faro não faz qualquer sentido, porque ardeu quase toda a floresta, e não vai arder agora. Em Sines é outro disparate, pois metade da sua área de intervenção (raio de 30 km) é no mar.
DN-Os portugueses têm noção da dimensão deste problema?
PAV-Há dois países, o que arde e sente na pele o fogo e o que assiste pela televisão. Há concelhos que não ardem e outros que ardem sempre. Mas as imagens de televisão relativizam o drama que se vive, não apenas durante o fogo, mas essencialmente, aquele que vem depois, em termos económicos e sociais. O fogo está a ser a última machadada no despovoamento do interior. É a morte social de algumas regiões do País.
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FONTE: Diário de Notícias,
13 de Julho de 2006
13 de Julho de 2006
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