sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

857. Combater as cheias, exercer cidadania

O primeiro erro, e aquele que motiva situações meteorológicas extremas, é o agravamento da emissão de gases com efeito de estufa, e que não é exclusivo do nosso país. Apesar do nosso país não ter feito ainda as modificações essenciais para inverter a nossa posição, está-se a investir alguma coisa nas energias limpas, embora se tenham mantido no essencial todas as políticas relativas aos transportes com uso de combustíveis fósseis. As cidades parecem ninhos de automóveis, com todos os problemas derivados desta situação caótica: poluição do ar, poluição sonora, atropelos estéticos à cidade, insegurança, diminuição do exercício físico das pessoas que os utilizam, enormes verbas gastas no controlo do tráfego, etc.
Se as alterações meteorológicas são a causa imediata de catástrofes decorrentes das chuvas torrenciais, também a jusante poderíamos actuar planeando o território e a sua utilização. Primeiramente, a desflorestação causada pelos fogos florestais, e a impermeabilização sistemática nos perímetros urbanos através da metódica anulação de espaços verdes e a sua substituição por alcatrão e cimento. Esta acção é um erro grosseiro que impede a infiltração da água da chuva no terreno e a sua retenção pelo coberto vegetal, criando grandes volumes de água em deslocação com efeitos devastadores dentro das zonas urbanas. Mas ainda existe outra situação que no nosso país não está salvaguardada e que contribui para as cheias nas zonas mais baixas. É o caso da falta de limpeza de sarjetas, ribeiros e outros leitos de cheias que dificultam a circulação das águas por formarem pequenas barragens ao longo do seu percurso.
Por fim, temos de denunciar a sistemática violação dos princípios de organização do território com a construção de urbanizações dentro de leitos de cheias, porque, ao contrário do que acontece na maioria dos países desenvolvidos, o urbanizador é privado e com uma simples deliberação da Câmara vê os seus terrenos valorizados centenas ou milhares de vezes o que permite todo o tipo de corrupção, e a consequente desordenação do território. Nos outros países, mesmo os mais liberais, como os Estados Unidos, as mais-valias resultantes das urbanizações revertem a favor do Estado. Além disso, quem define as terras a urbanizar são as Câmaras Municipais, impedindo assim a anarquia reinante em Portugal.
Vemos assim que a prevenção destas catástrofes começa muito antes da queda da chuva, e existem medidas estruturais que podem e devem ser tomadas se queremos evitar consequências mais graves.
Portanto só temos uma recomendação a deixar: Mais estruturação e meios de protecção civil mas, sobretudo, mais medidas preventivas e estruturantes do território e da qualidade do ambiente se queremos verdadeiramente mais segurança para as populações. Este é um apelo aos cidadãos para vigiarem constantemente a evolução da organização do território e exercerem cidadania para mudarem os rumos da degradação ambiental.
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Fonte: Mário Durval (Presidente da Assembleia Geral da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública), Setúbal na Rede

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