O debate sobre o aquecimento global ganhou força em 2007 com a divulgação de uma série de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU). No horizonte, previsões nada animadoras: na melhor das hipóteses, a temperatura global deverá subir 1,8 ºC até 2100; na pior, subirá em torno de 4ºC. Em ambos os casos, as consequências serão altamente danosas para os ecossistemas.
O aquecimento, segundo o IPCC, estaria sendo causado pela acção humana, principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis desde o começo da era industrial (meados do século 18). Entretanto, essa posição não é consenso. Tarik Rezende de Azevedo, professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), acredita que possa estar ocorrendo um aquecimento, mas discorda das causas apontadas pelo estudo. “Evidentemente há um aquecimento, mas a discussão maior é em cima das causas. Há tantas outras coisas que pesam – e muito – que é difícil isolar cada uma delas para ver o peso que tem. Como dizer que é a acção humana que mais afecta?”, questiona.
Azevedo também contesta a projecção do relatório. “Dizer que vai aumentar de 2 a 4 graus é adivinhação”, afirma. O geógrafo acredita que mais complicado ainda é quando o relatório faz projecções socioeconómicas baseadas nas mudanças climáticas. “A história da humanidade é muito mais complicada do que equações matemáticas. Em Economia, isso também ocorre. É possível prever com exactidão o que vai acontecer na bolsa de valores em seis meses?”, relativiza.
Paulo Artaxo, professor de Departamento de Física Aplicada da USP e participante do IPCC acredita que as divergências são naturais. “Em ciência, sempre existe diferenças de opinião. Há divergências em relação a abordagens que o IPCC tomou. Isso é obviamente legítimo, faz parte do sistema científico global”, aponta. O pesquisador acredita que é perfeitamente plausível defender uma posição mais “céptica” cientificamente. Alerta, entretanto, que essa posição também tem sido adoptada por uma parcela da comunidade científica cooptada pelas transnacionais do petróleo e do carvão, por exemplo.
“A indústria está se armando do ponto de vista científico, pois o debate é político também. Então, fazem pesquisas que tentam enfatizar pontos positivos do aquecimento global. Por exemplo: parte da Rússia e parte do Canadá poderiam tornar-se agricultáveis; mas não leva-se em conta o facto de que o restante do planeta vai ter consequências muito danosas”, defende Artaxo. Para o físico, uma posição contrária à ideia da acção humana como principal causa do aquecimento, que seja bem argumentada e com bases científicas consistentes, é válida, mas acaba sendo vista injustamente com desconfiança, por conta do uso desses mesmos argumentos pelas grandes transnacionais.
Tarik Azevedo lembra que o painel montado pela ONU é intergovernamental, como diz o próprio nome. “Ou ceder já, são Estados discutindo a questão do aquecimento global; são instituições políticas, assim como a ONU. São feitas por cientistas escolhidos pelos Estados”, opina. A seu ver, muito mais do que preocupações ambientais, existe a necessidade de resolver o problema da escassez de petróleo. “É preciso convencer as pessoas. O clima está sendo usado como elemento de convencimento para se mudar a matriz energética do mundo”, sustenta o geógrafo.
Michel Löwy, sociólogo, também está convencido de que há aquecimento global e de que a acção humana é a sua principal causa. Mas especifica: “o que causa isso não é a acção humana em geral, mas uma forma muito específica de vida social: a civilização capitalista, baseada na extensão e acumulação infinita do capital e do lucro, num modo de consumo irracional e insustentável, em particular das elites ocidentais. O modo de produção, de vida, de transporte de pessoas e mercadorias – todo baseado nas energias fósseis – do capitalismo gera, inevitavelmente, a produção, em proporções assustadoramente crescentes, dos gases de efeito estufa, que trazem como resultado o aquecimento global”.
Löwy aponta que alguns dos principais governos do mundo capitalista – como o estadunidense e o canadense – apontam que o problema não é grave e que bastam alguns “truques tecnológicos” para se resolver a questão. “George W. Bush (presidente dos Estados Unidos) já decretou que o modo de vida americano não é negociável”, aponta o sociólogo.
Entre as afirmações que contam com bases científicas “sólidas”, o documento aponta:
– O uso de combustíveis fósseis, a agro-indústria e o uso da terra têm sido as principais causas do aumento da presença de gases de efeito estufa nos últimos 250 anos;
– O constante crescimento da presença de gases causadores do efeito estufa (especificamente, dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) nos últimos 40 anos, foi maior do que em qualquer outra época durante os últimos 2 mil anos;
– É “extremamente provável” que as actividades humanas tenham exercido uma importante influência para o aquecimento global desde 1750;
– Entre os 12 anos mais quentes registados desde 1850, estão os 11 anos que vão de 1995 a 2006;
– Tem aumentado a quantidade de chuvas fortes, ao mesmo tempo em que, desde a década de 1970, as secas são mais comuns, principalmente nos trópicos e subtrópicos;
– O vapor de água na atmosfera tem aumentado desde 1980. Esse gás é um importante agente do efeito estufa;
– A quantidade de gelo sobre a Terra diminui, reduzindo a extensão da capa de neve no hemisfério norte e a camada de gelo estacional em rios e lagos também diminuiu nos últimos 150 anos;
– Durante a década de 1990, o gelo da península Antárctica e o gelo da plataforma de Amundsen (mar localizado na costa antárctica do Oceano Pacífico e permanentemente coberto por gelo) tornaram-se mais finos; outro caso sempre lembrado é o rompimento, entre 31 de Janeiro e 7 de Março de 2002, da plataforma de gelo Larsen B, também na península antárctica;
– A superfície da permafrost, tipo de solo encontrado na região do Árctico, constituído por terra, gelo e rochas, aumentou 3 ºC desde sua descoberta, nos anos de 1980;
– O nível médio mundial dos mares aumentou durante o século 20; existe uma confiança alta de que as taxas de incremento do nível do mar aumentou entre meados dos séculos 19 e 20. No período de 1993 a 2003, o nível do mar aumentou mais rápido que durante o período de 1961 a 2003;
– É muito improvável que a Terra entre, de modo natural, em outra era glacial durante ao menos 30 mil anos;
– É muito provável que as temperaturas médias do hemisfério norte, durante a segunda metade do século 20, foram mais quentes que em qualquer outro período de 50 anos dos últimos 1.300 anos.
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Fonte: O Barriga Verde
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