segunda-feira, 23 de junho de 2008

1848. Aquecimento global mais perto do ponto sem retorno

No Alasca, a RTP acompanhou o trabalho de cientistas que descobriram como medir o gás metano que os lagos gelados do Norte libertam para a atmosfera. Os resultados são surpreendentes.
Os lagos são responsáveis por seis por cento do gás libertado em todo o planeta, dez vezes mais do que aquilo que se pensava. Valores que não fazem parte dos cálculos do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) mas que podem antecipar em duas décadas o tempo estimado para que deixe de haver gelo no Pólo Norte.

Katey Walters não pode ver ninguém de mãos a abanar. Lidera a equipa de estudantes que acabou de conhecer, como se fossem os seus próprios alunos. Avança determinada sobre a camada de gelo que cobre o Lago 8-Miles na reserva do parque natural Denali, no Alasca. Seguimos atrás apreensivos. Por baixo de nós há 30 metros de profundidade de água.
O gelo que nos separa de um mergulho gelado tem 30 centímetros de espessura, assegura Katey. É bem no meio do lago que ela e a assistente Laura querem fazer as medições. "Um urso! um urso passou por aqui!!!!!!!!", alguém grita. Há um rasto de urso recente, e inconfundível, até para leigos. Ganhamos confiança. Afinal, se o gelo suporta um animal que pesa perto de 800 quilos, concerteza aguenta com uma dúzia de pessoas.
O lago 8-miles é um dos 30 analisados no Alasca por Katey Walters. Com 32 anos estuda há oito anos o metano. É professora na universidade de Alasca Fairbanks. Foi quem inventou a armadilha para gás nos lagos. Uma engenhoca ao melhor estilo de MacGyver. Tem forma de guarda-chuva, com uma garrafa de plástico no topo.
O olhar treinado das cientistas descobre em pouco tempo dois 'hot spot'. Locais onde o gelo se abriu para deixar passar o metano. É como se a água estivesse a ferver e a despejar bolha de gás para a atmosfera. Colocam as armadilhas e em duas horas recolhem 540 mililitros de gás.
O trabalho das cientistas é em geral solitário. Desta vez estão acompanhadas por um grupo de 7 estudantes de 7 países europeus. Alemanha, França, Espanha, Irlanda, Holanda, Inglaterra e Portugal. Conquistaram o direito de visitar o Alasca porque criaram projectos de sustentabilidade a desenvolver cada um no seu país. Entre eles está Filipe Alves. Com 24 anos, o jovem português é já Mestre em Economia, mas está aqui na qualidade de embaixador do Colégio para as Alterações Climáticas (Climate Change College - um programa lançado por uma marca de gelados e pela World Wild Fundation).
“Bio-road for sustainability” é o nome do projecto que tem como objectivo recolher óleos usados porta a porta, encaminhar para reciclagem, e transformar em biodiesel. No Alasca testemunha em primeira-mão os efeitos do aquecimento global. O Alasca e a Sibéria são as regiões do mundo onde é mais visível o aquecimento global, com os glaciares a recuarem.
Mas há centenas de cientistas a pesquisar outros fenómenos que não se vêem, como o permafrost, o solo gelado há milhares de anos. Com o aquecimento do planeta está a derreter e a libertar gás metano para a atmosfera, um gás com efeito de estufa 23 vezes mais poderoso do que o dióxido de carbono.
Para Katey Walter, os efeitos podem ser enormes. Teme que se instale um ciclo vicioso: “Quanto mais alta a temperatura, mais permafrost derrete, provocando um efeito de estufa ainda maior, com o planeta mais abafado aumenta libertação de gás”. Um ciclo onde o aquecimento gera ainda mais aquecimento.
A matéria orgânica enterrada na tundra do Alasca e da Sibéria é superior a que existe em todas as florestas tropicais do mundo. É matéria orgânica morta há cerca de 40 mil anos. Com um arrefecimento rápido não entrou em decomposição. Com o degelo, a decomposição está a acontecer agora. “Imagine-se um congelador onde se guardaram durante anos carne, peixe, legumes frescos. Imagine-se que se deixa a porta aberta… é uma autêntica bomba-relógio de metano.”
Agora que já se conhecem os valores emitidos pelos lagos, Katey acredita que os cálculos do IPCC vão ser mais pessimistas. Mas acredita também que há soluções. “Repor na tundra de Sibéria ou do Alasca os animais de grande porte pode ser uma solução. Ao calcarem a neve, mantêm o solo gelado. Aproveitar o gás como energia para habitações vizinhas dos lagos, ou simplesmente queimá-lo”.
Revela as ideias com verdadeiro optimismo, sentada no meio do lago gelado, depois de um dia inteiro do trabalho. O Sol brilha, a temperatura está amena (varia entre os 5 e os 10 graus). A Primavera no Alasca afinal não é tão fria assim, e pelo menos no que diz respeito a temperaturas, elas estão muito próximas do normal para a época.
Lavínia Leal
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Fonte (Texto e imagens): RTP

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