quinta-feira, 26 de junho de 2008

1854. Tribos amazónicas protestam contra barragens hidroeléctricas em reserva indígena

Tribos da Amazónia reuniram-se na maior manifestação dos últimos vinte anos, em Altamira, Brasil, contra a construção de barragens hidroeléctricas numa das maiores reservas indígenas do país, avançou à Lusa uma organização envolvida no protesto. Fiona Watson, da organização internacional de defesa dos povos indígenas `Survival`, sedeada no Reino Unido, disse à Agência Lusa que "mais de mil índios de várias etnias, populações ribeirinhas e agricultores" participaram no protesto entre 19 e 23 de Maio, em Altamira, Estado do Pará, nordeste do Brasil.
A manifestação pretendeu, segundo a coordenadora da `Survival` para o Brasil, a "interrupção imediata da construção de barragens hidroeléctricas no Parque Nacional Xingu", uma das maiores reservas indígenas do Brasil, com 2,64 milhões de hectares e onde vivem milhares de indígenas. Além do "grave impacto ambiental" na região, explicou, as tribos temem que a construção das barragens ao longo do rio Xingu – um dos principais afluentes do rio Amazonas – destrua o "seu modo de vida, acabe com os recursos necessários à sua sobrevivência e cause problemas de saúde".
"Queremos conservar peixes, fauna e flora, queremos que o rio esteja limpo. Não se trata de impedir o progresso do país. Limitamo-nos a defender o nosso direito à vida, à nossa terra e ao nosso modo de vida", declarou uma das tribos indígenas da região, os Ikpeng, numa nota divulgada pela Survival. Fiona Watson explicou que o Governo brasileiro tem vindo a construir "pequenas unidades hidroeléctricas próximas da reserva indígena" e planeia desenvolver "projectos de maiores dimensões em toda a bacia amazónica até 2030", como a polémica barragem de Belmonte, uma das maiores do mundo.
"Estudos de impacte ambiental de organizações internacionais prevêem efeitos desastrosos causados pelas inundações", disse Fiona Watson. Do lado social, explicou, os alagamentos "destruiriam os recursos naturais e a terra utilizada para a agricultura de subsistência". Lembrou também que, para construir barragens, é necessária uma "infra-estrutura de estradas e muitos trabalhadores", que "importam doenças para as quais a população local não tem resistência".
No relacionamento com os indígenas, Fiona Watson acusou o Governo de Lula da Silva de fazer "muita coisa para manter as aparências", sublinhando que, "na prática", são tratados "como obstáculos ao progresso". "O Governo não entende a questão indígena. Só pensa num modelo que destrói os recursos naturais de uma minoria, a favor dos interesses de uma elite e dos fazendeiros", lamentou. A responsável lembrou que os cerca de 500.000 indígenas no Brasil são "uma minoria da minoria" dentro da população brasileira.
Para Fiona Watson, o protesto em Altamira é uma oportunidade única para os indígenas "se fazerem ouvir além fronteiras". "Estão cansados de falar com um Governo que não os ouve. Procuram fazer-se ouvir para que alguém pressione o Brasil a não seguir em frente com projectos que não lhes trazem qualquer benefício e só ameaçam a sua existência", frisou. "Todas as pessoas que vivem no Amazonas – não só os indígenas – exigem outro modelo de desenvolvimento", acrescentou.
Em 1989, várias tribos amazónicas juntaram-se num protesto em Altamira (apoiado por figuras públicas como o músico Sting), para rejeitar a construção de seis barragens hidroeléctricas. Em resultado desse protesto, o Banco Mundial cancelou o crédito destinado às obras, imobilizando o projecto por mais de uma década. Porém, nos últimos anos, o Executivo anunciou a intenção de construir várias barragens nos rios da Amazónia.
Fiona Watson vincou que "em momento algum" os indígenas "foram consultados ou tiveram acesso a informação independente sobre o impacte desses projectos".
A Assembleia-Geral da ONU aprovou em 2007 a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas para proteger os mais de 370 milhões autóctones em todo o mundo. A Declaração estabelece parâmetros mínimos de respeito pelos direitos desses povos, como a propriedade da terra, acesso aos recursos naturais dos territórios, respeito e conservação das suas tradições e a autodeterminação.
Simon Kamm
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