terça-feira, 19 de agosto de 2008

1954. A Autoridade Florestal Nacional existe mesmo?

Não consigo encontrar justificação fácil para que, depois de aprovada em 2007 a anterior lei orgânica, o mesmo ministro venha agora anunciar uma outra lei. É, no mínimo, estranho que o preâmbulo do diploma o venha justificar porque «a estrutura organizacional da DGRF tem demonstrado grandes fragilidades» e «por não se adequar à capilaridade prevista no PRACE». Ainda mal a lei orgânica e os novos dirigentes tinham entrado em funcionamento e logo se fez o veredicto clínico definitivo, sem lhe dar qualquer tempo de aplicação…
Mas, apesar de tudo, a minha apreensão séria é com as matas nacionais, que em Portugal representam menos de 2% do total das florestas, o valor mais baixo em toda a Europa. Por isso, o Estado deveria aumentar essas áreas. E deveria igualmente dar um especial relevo à sua gestão pública, o que tem acontecido desde 1824 com níveis de gestão em muito superiores à média nacional. Mas, apesar disso, a nova lei prevê a gestão do património florestal do Estado por parte de terceiros, através de contratos de concessão. Qual será a intenção?
A minha preocupação reside, fundamentalmente, na coincidência temporal entre a publicação da lei orgânica, que introduz a nova possibilidade de concessão, e as declarações de Paulo Fernandes, administrador da Altri (um dos maiores consumidores de madeira de eucalipto) que, no Expresso, se congratulava com anteriores declarações do ministro, que apontavam para a concessão das matas do Estado.
E está aqui, potencialmente, o alarmante equívoco. Será que alguém com responsabilidades terá alguma vez suscitado a ideia de que o Pinhal de Leiria, com todas as extraordinárias funções de protecção e estabilização das dunas, de criação de ambiente para o recreio da natureza e de contribuinte para a economia local associada à madeira de pinho, possa deixar de cumprir essas funções? Será que alguém vê a Altri, uma empresa muito respeitada no seu ramo de negócio, a fazer de ‘travesti’ de organização ambientalista tendo como objectivo a protecção e conservação de pinhais do litoral? Ou será que alguém admite ver o Pinhal do Rei transformado num eucaliptal?
Pelo contrário, as empresas de pasta e papel já viram que a possibilidade que agora se abre não está nos 50 mil hectares de matas nacionais mas nas Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) que, no final de 2007, abrangiam já uma área superior à das florestas do Estado.
Tenho esperança, por isso, que esta minha preocupação se deva apenas a um equívoco da minha parte. Talvez eu devesse ter interpretado todas estas declarações como intenção de se vir a concessionar a gestão das matas nacionais ao Instituto para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade ou a algumas ONG. Talvez a teoria da conspiração seja só teoria, talvez as coincidências também existam por acaso...E talvez ainda continue a existir uma Autoridade Florestal Nacional para além do nome.
Francisco Castro Rego
(Professor do Instituto Superior de Agronomia)
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Fonte: Sol

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