A condição pobre de boa parte da infra-estrutura agrícola do “Terceiro Mundo”, depois de décadas de tal tratamento, é senso comum, apesar de raramente discutida nos média. Num comunicado de Março de 2004, o director da FAO Jacques Diouf apontou: “A África é a única região do mundo em que a produção alimentar per capita média tem caído constantemente nos últimos 40 anos .... Existem muitas causas para isso. Existe, por exemplo, um uso insignificante de inputs modernos, com apenas 22 quilos de fertilizante aplicados a cada hectare de terra arável, comparado com 144 quilogramas na Ásia. O nível é ainda mais baixo na África subsaariana, que utiliza 10 quilogramas por hectare.
“As sementes seleccionadas que impulsionaram o sucesso da Revolução Verde [o aumento na produtividade das colheitas durante as décadas de 1960 e 1970] na Ásia e na América Latina quase não são usadas na África. Há também uma profunda falta de estradas rurais e complexos de armazenamento e processamento.
“Outro factor que influencia fortemente a performance agrícola pobre [da África] é a água. Só 1,6 por cento de suas reservas hídricas é usado para irrigação, comparado com 14 por cento na Ásia. Apenas 7 por cento da terra de cultivo em África é irrigada, contra 40 por cento na Ásia, e se excluíssemos os cinco países mais desenvolvidos nesse quesito – Marrocos, Egipto, Sudão, Madagáscar e África do Sul – a proporção dos 48 países restantes cairia para 3 por cento. Os rendimentos de colheitas irrigadas são 3 vezes maiores que rendimentos de colheitas alimentadas pela chuva, mas a actividade agrícola em 93 por cento da terra arável da África depende de chuvas extremamente erráticas, e portanto está exposta ao risco de seca. Oitenta por cento das emergências alimentares estão ligadas à água, especialmente a falta dela.”
As dificuldades de infra-estrutura não estão limitadas à África. Na Ásia, o Instituto Internacional de Pesquisa em Arroz, o IRRI (na sigla em inglês), notou a redução nos investimentos em pesquisa, a falta de novos projectos de irrigação e a “manutenção inadequada” da actual infra-estrutura de irrigação, como grandes problemas. Acrescentou que uma “lacuna [produtiva] inexplorada de 1-2 toneladas por hectare existe na maioria dos campos de cultivo de arroz asiáticos”, citando ausência de boa irrigação e fertilizantes, controle de pestes e doenças, armazenamento pós-colheita e sistemas de transporte.
De acordo com o India Times, os rendimentos de arroz na primavera são de 3,12 toneladas por hectare (t/ha) na Índia, contra 4,17 t/ha em média na Ásia e 6,26 t/ha na China. Quanto ao trigo, a Índia produz 2,6 t/ha, abaixo dos 4,1 t/ha da China e os 5,0 t/ha da Europa. O Times observou que o gasto no desenvolvimento rural era de, em média, 14,5 por cento em 1986-1990, mas, após a liberalização de 1991 e a abertura ao capital internacional, caiu para 6 por cento. O crescimento da produção agrícola foi de 2,62 por cento para 0,5 por cento.
Enquanto a agricultura na China é mais produtiva do que na Índia, ela encara seus próprios desafios. A industrialização sem coordenação fez decair a terra disponível para cultivo de 127,6 para 121,7 milhões de hectares, de acordo com números do Ministério da Terra e Recursos. Isso apesar da implementação repetida de medidas do governo central para limitar a venda de terras por fazendeiros a oficiais locais, que tinham como objectivo o estabelecimento de fábricas ou empresas em áreas de cultivo. A terra próxima às fábricas, muitas das quais operadas com pouca consideração por padrões ambientais, é com frequência severamente poluída.
Conforme a crise da agricultura mundial empurra o suprimento para baixo, o crescimento da população e a crescente procura por alimentos mais complexos em países industrializados empurram a procura para cima. Esta dicotomia entre poderosos desenvolvimentos objectivos no capitalismo global dá à crise um carácter particularmente explosivo.
O aumento da procura por alimentos causado pelo crescimento populacional não implica em geral um grande problema. O crescimento populacional nesta década (grosseiramente 1,2 por cento ao ano) foi menor que o crescimento na década de 1960, que era em média de 2 por cento ao ano – um momento em que, graças às melhorias na produtividade e infra-estrutura, a produção per capta de grãos subiu de 275 para 300 quilogramas.
Como um resultado de um menor investimento em agricultura e pesquisa, no entanto, o crescimento do rendimento de colheitas caiu e mal está a acompanhar o crescimento populacional. O Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentícias (IFPRI, na sigla em inglês) comenta: “A negligência da agricultura pelo investimento público, pesquisa e políticas de serviço nas décadas passadas minou o seu papel central no crescimento económico. Como um resultado, o crescimento da produtividade agrícola caiu e está baixo demais para superar os desafios actuais”. De 1980 a 2004, o crescimento da produtividade caiu de um máximo de 4,5 por cento para 2,0 por cento, no caso do trigo, 3,3 por cento para 1,0 por cento no caso do milho, e 3,2 por cento para 1,5 por cento no caso do arroz, de acordo com números da ONU.
Aos problemas sociais e industriais implicados no crescimento vagaroso do suprimento alimentício, é preciso acrescentar a procura em alta causada por substanciais mudanças no curso da economia global – notadamente o aumento nos lucros do petróleo em países produtores e a industrialização em uma série de países em desenvolvimento, especialmente na Ásia.
Os dados disponíveis não sugerem que os maiores produtores de petróleo que são tradicionalmente importadores de cereais (exemplos: Arábia Saudita, Nigéria) tenham contribuído para o aumento dos preços importando mais grãos. O peso de suas importações de arroz e trigo, na realidade, diminuiu nos últimos anos, de acordo com números do Departamento de Agricultura dos EUA – em parte por que importadores de grãos se recusaram a comprar dos caros mercados mundiais devido ao estado ter fixado baixos preços para o pão.
No entanto, a alta da renda do petróleo nesses países – o preço do petróleo nos EUA subiu por um factor de mais de 6 no período 2002-2008 – influenciou amplamente as expectativas do mercado de que importadores de grãos estarão aptos a pagar grandes quantias por arroz, trigo e outros alimentos.
A alta dos padrões de vida e mais dietas intensivas em carne e lacticínios em certos países em desenvolvimento aumentou a procura por cereais – não apenas como alimento humano, mas particularmente como ração animal. De acordo com a Federação Internacional das Indústrias de Rações, o uso mundial de cereais como ração animal passou de 290 Megatons (Mt) em 1975 para 537 Mt em 1994 e 626 Mt em 2005. A FAO prevê um aumento de 60 por cento no uso de grãos como ração no período 1996-2030, comparado com um aumento de 40 por cento no uso de grãos como alimento humano.
Comparado com os níveis de 1990 de consumo per capita, a China em 2005 consumiu 2,4 vezes mais carne, 3 vezes mais leite e 2,3 vezes mais peixe. A Índia consumiu 1,2 vezes mais alimentos per capita que em 1990, em todas as categorias. O Brasil consumiu 1,7 vezes mais carne, 1,2 vezes mais leite e 0,9 vezes a quantidade de peixe per capita de 1990.
Estes aumentos são importantes tanto em termos absolutos quanto comparativos. Por exemplo, o consumo de carne na China em 2007 era de 50 quilogramas por pessoa, contra 20 quilogramas em 1980. Em comparação, o consumo per capita dos EUA em 2004 era de 98 quilogramas.
O cada vez mais instável equilíbrio entre produção e consumo é ameaçado também pelo aquecimento global. Num artigo de Fevereiro de 2007, o Globe and Mail, de Toronto, falou de um relatório do Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na sigla em inglês) que pinta um quadro sombrio dos efeitos do aquecimento global no rendimento das colheitas.
O artigo dizia: “Uma regra básica desenvolvida por cientistas agrícolas é que, para cada grau Celsius de aumento nas temperaturas acima de 35 graus durante estágios-chave da temporada de crescimento, como a polinização, a renda de colheita cai cerca de 10 por cento”. Acrescentou que “a média global de temperaturas vai provavelmente crescer entre 1,1 e 6,4 graus ao longo desse século, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPC,c na sigla em inglês], sugerindo que, na maior parte da gama de temperaturas futuras, as colheitas sofrerão declínios problemáticos”.
O relatório do CGIAR descreveu modelos de computador analisando rendimentos de colheita em regiões – a metade do extremo norte do subcontinente indiano, o sudeste asiático e a parte da África logo ao sul do deserto do Saara – onde as temperaturas frequentemente alcançam 35 graus Celsius ou mais durante as temporadas de crescimento do plantio.
O Globe and Mail concluiu, “A produção de cereais e milho na África está em risco, tanto quanto o arroz em muito da Índia e do sudeste asiático.... A melhor terra para plantio de trigo, no largo arco de terra fértil que se alonga do Paquistão, através do norte da Índia, Nepal e Bangladesh, seria dizimada. Muito da área se tornaria quente e seca demais para o plantio, colocando o suprimento de comida de 200 milhões de pessoas em risco”.
Um olhar adiantado sobre os possíveis efeitos do aquecimento global é fornecido pela Austrália por dois anos seguidos de secas, que a imprensa australiana amplamente colocou como exacerbados pelo aquecimento global. O rendimento das colheitas de trigo caiu de um nível normal de 25 Mt para 10.6 Mt em 2007, com um rendimento antecipado de 13 Mt em 2008.
“As sementes seleccionadas que impulsionaram o sucesso da Revolução Verde [o aumento na produtividade das colheitas durante as décadas de 1960 e 1970] na Ásia e na América Latina quase não são usadas na África. Há também uma profunda falta de estradas rurais e complexos de armazenamento e processamento.
“Outro factor que influencia fortemente a performance agrícola pobre [da África] é a água. Só 1,6 por cento de suas reservas hídricas é usado para irrigação, comparado com 14 por cento na Ásia. Apenas 7 por cento da terra de cultivo em África é irrigada, contra 40 por cento na Ásia, e se excluíssemos os cinco países mais desenvolvidos nesse quesito – Marrocos, Egipto, Sudão, Madagáscar e África do Sul – a proporção dos 48 países restantes cairia para 3 por cento. Os rendimentos de colheitas irrigadas são 3 vezes maiores que rendimentos de colheitas alimentadas pela chuva, mas a actividade agrícola em 93 por cento da terra arável da África depende de chuvas extremamente erráticas, e portanto está exposta ao risco de seca. Oitenta por cento das emergências alimentares estão ligadas à água, especialmente a falta dela.”
As dificuldades de infra-estrutura não estão limitadas à África. Na Ásia, o Instituto Internacional de Pesquisa em Arroz, o IRRI (na sigla em inglês), notou a redução nos investimentos em pesquisa, a falta de novos projectos de irrigação e a “manutenção inadequada” da actual infra-estrutura de irrigação, como grandes problemas. Acrescentou que uma “lacuna [produtiva] inexplorada de 1-2 toneladas por hectare existe na maioria dos campos de cultivo de arroz asiáticos”, citando ausência de boa irrigação e fertilizantes, controle de pestes e doenças, armazenamento pós-colheita e sistemas de transporte.
De acordo com o India Times, os rendimentos de arroz na primavera são de 3,12 toneladas por hectare (t/ha) na Índia, contra 4,17 t/ha em média na Ásia e 6,26 t/ha na China. Quanto ao trigo, a Índia produz 2,6 t/ha, abaixo dos 4,1 t/ha da China e os 5,0 t/ha da Europa. O Times observou que o gasto no desenvolvimento rural era de, em média, 14,5 por cento em 1986-1990, mas, após a liberalização de 1991 e a abertura ao capital internacional, caiu para 6 por cento. O crescimento da produção agrícola foi de 2,62 por cento para 0,5 por cento.
Enquanto a agricultura na China é mais produtiva do que na Índia, ela encara seus próprios desafios. A industrialização sem coordenação fez decair a terra disponível para cultivo de 127,6 para 121,7 milhões de hectares, de acordo com números do Ministério da Terra e Recursos. Isso apesar da implementação repetida de medidas do governo central para limitar a venda de terras por fazendeiros a oficiais locais, que tinham como objectivo o estabelecimento de fábricas ou empresas em áreas de cultivo. A terra próxima às fábricas, muitas das quais operadas com pouca consideração por padrões ambientais, é com frequência severamente poluída.
Conforme a crise da agricultura mundial empurra o suprimento para baixo, o crescimento da população e a crescente procura por alimentos mais complexos em países industrializados empurram a procura para cima. Esta dicotomia entre poderosos desenvolvimentos objectivos no capitalismo global dá à crise um carácter particularmente explosivo.
O aumento da procura por alimentos causado pelo crescimento populacional não implica em geral um grande problema. O crescimento populacional nesta década (grosseiramente 1,2 por cento ao ano) foi menor que o crescimento na década de 1960, que era em média de 2 por cento ao ano – um momento em que, graças às melhorias na produtividade e infra-estrutura, a produção per capta de grãos subiu de 275 para 300 quilogramas.
Como um resultado de um menor investimento em agricultura e pesquisa, no entanto, o crescimento do rendimento de colheitas caiu e mal está a acompanhar o crescimento populacional. O Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentícias (IFPRI, na sigla em inglês) comenta: “A negligência da agricultura pelo investimento público, pesquisa e políticas de serviço nas décadas passadas minou o seu papel central no crescimento económico. Como um resultado, o crescimento da produtividade agrícola caiu e está baixo demais para superar os desafios actuais”. De 1980 a 2004, o crescimento da produtividade caiu de um máximo de 4,5 por cento para 2,0 por cento, no caso do trigo, 3,3 por cento para 1,0 por cento no caso do milho, e 3,2 por cento para 1,5 por cento no caso do arroz, de acordo com números da ONU.
Aos problemas sociais e industriais implicados no crescimento vagaroso do suprimento alimentício, é preciso acrescentar a procura em alta causada por substanciais mudanças no curso da economia global – notadamente o aumento nos lucros do petróleo em países produtores e a industrialização em uma série de países em desenvolvimento, especialmente na Ásia.
Os dados disponíveis não sugerem que os maiores produtores de petróleo que são tradicionalmente importadores de cereais (exemplos: Arábia Saudita, Nigéria) tenham contribuído para o aumento dos preços importando mais grãos. O peso de suas importações de arroz e trigo, na realidade, diminuiu nos últimos anos, de acordo com números do Departamento de Agricultura dos EUA – em parte por que importadores de grãos se recusaram a comprar dos caros mercados mundiais devido ao estado ter fixado baixos preços para o pão.
No entanto, a alta da renda do petróleo nesses países – o preço do petróleo nos EUA subiu por um factor de mais de 6 no período 2002-2008 – influenciou amplamente as expectativas do mercado de que importadores de grãos estarão aptos a pagar grandes quantias por arroz, trigo e outros alimentos.
A alta dos padrões de vida e mais dietas intensivas em carne e lacticínios em certos países em desenvolvimento aumentou a procura por cereais – não apenas como alimento humano, mas particularmente como ração animal. De acordo com a Federação Internacional das Indústrias de Rações, o uso mundial de cereais como ração animal passou de 290 Megatons (Mt) em 1975 para 537 Mt em 1994 e 626 Mt em 2005. A FAO prevê um aumento de 60 por cento no uso de grãos como ração no período 1996-2030, comparado com um aumento de 40 por cento no uso de grãos como alimento humano.
Comparado com os níveis de 1990 de consumo per capita, a China em 2005 consumiu 2,4 vezes mais carne, 3 vezes mais leite e 2,3 vezes mais peixe. A Índia consumiu 1,2 vezes mais alimentos per capita que em 1990, em todas as categorias. O Brasil consumiu 1,7 vezes mais carne, 1,2 vezes mais leite e 0,9 vezes a quantidade de peixe per capita de 1990.
Estes aumentos são importantes tanto em termos absolutos quanto comparativos. Por exemplo, o consumo de carne na China em 2007 era de 50 quilogramas por pessoa, contra 20 quilogramas em 1980. Em comparação, o consumo per capita dos EUA em 2004 era de 98 quilogramas.
O cada vez mais instável equilíbrio entre produção e consumo é ameaçado também pelo aquecimento global. Num artigo de Fevereiro de 2007, o Globe and Mail, de Toronto, falou de um relatório do Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na sigla em inglês) que pinta um quadro sombrio dos efeitos do aquecimento global no rendimento das colheitas.
O artigo dizia: “Uma regra básica desenvolvida por cientistas agrícolas é que, para cada grau Celsius de aumento nas temperaturas acima de 35 graus durante estágios-chave da temporada de crescimento, como a polinização, a renda de colheita cai cerca de 10 por cento”. Acrescentou que “a média global de temperaturas vai provavelmente crescer entre 1,1 e 6,4 graus ao longo desse século, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPC,c na sigla em inglês], sugerindo que, na maior parte da gama de temperaturas futuras, as colheitas sofrerão declínios problemáticos”.
O relatório do CGIAR descreveu modelos de computador analisando rendimentos de colheita em regiões – a metade do extremo norte do subcontinente indiano, o sudeste asiático e a parte da África logo ao sul do deserto do Saara – onde as temperaturas frequentemente alcançam 35 graus Celsius ou mais durante as temporadas de crescimento do plantio.
O Globe and Mail concluiu, “A produção de cereais e milho na África está em risco, tanto quanto o arroz em muito da Índia e do sudeste asiático.... A melhor terra para plantio de trigo, no largo arco de terra fértil que se alonga do Paquistão, através do norte da Índia, Nepal e Bangladesh, seria dizimada. Muito da área se tornaria quente e seca demais para o plantio, colocando o suprimento de comida de 200 milhões de pessoas em risco”.
Um olhar adiantado sobre os possíveis efeitos do aquecimento global é fornecido pela Austrália por dois anos seguidos de secas, que a imprensa australiana amplamente colocou como exacerbados pelo aquecimento global. O rendimento das colheitas de trigo caiu de um nível normal de 25 Mt para 10.6 Mt em 2007, com um rendimento antecipado de 13 Mt em 2008.
Alex Lantier
(Continua)
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Fonte: World Socialist Web Site
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Fonte: World Socialist Web Site
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