quarta-feira, 4 de maio de 2011

3498. AVALIAÇÃO AMBIENTAL: OCDE denuncia truques para escapar à lei

Um novo relatório da OCDE diz que os truques usados durante as avaliações de impacte ambiental dos projectos nacionais "mascaram a verdadeira natureza dos projectos". A análise vai ao encontro das críticas dos ambientalistas e refere que, apesar de os estudos de impacto ambiental estarem bem regulados, são por vezes contornados. As práticas mais comuns, diz a OCDE, passam por dividir os projectos noutros mais pequenos, não expor por completo o impacto ambiental ou falhar na avaliação do impacto conjunto. Em muitos casos, lê-se também, os projectos não apresentam alternativas e os pareceres técnicos só são elaborados depois de a obra já ter começado.
A revisão do desempenho ambiental de Portugal, um trabalho que a OCDE realiza a cada dez anos, foi apresentada ontem em Lisboa. "Portugal é referido como bom exemplo de país que venceu desafios, teve a capacidade de captar fundos comunitários, conseguiu capacitar recursos humanos. É uma fotografia global positiva, o que não significa que não haja recomendações", comentou a ministra do Ambiente, Dulce Pássaro.
Ao todo são 28, e o reforço dos estudos de impacto ambiental acaba por ser transversal a todo o documento. No capítulo das novas barragens lê-se que com 50% da capacidade de produção de energia hidráulica explorada há potencial para mais. "Contudo, o impacto ambiental cumulativo deve ser avaliado", sobretudo nos leitos de água e nos ecossistemas. "No sector do turismo, a protecção ambiental é considerada um desafio central. A Herdade Costa Terra, em Melides, surge no relatório como um mau exemplo. O projecto foi alvo de uma acção em tribunal movida pela Quercus, esteve embargado durante quase dois anos e aguarda ainda uma decisão judicial definitiva, apurou o i junto da organização ambiental. A análise da OCDE cita a avaliação de impacto ambiental da herdade, que dava conta das ameaças sobre dunas, dez espécies de anfíbios, 15 espécies de répteis, 130 espécies de aves e 21 mamíferos.
"Portugal tem sido questionado em várias ocasiões pela Comissão Europeia em relação a procedimentos de avaliação de impacto ambiental nos transportes, energia e turismo", lê-se no relatório, que refere ainda que nestes casos a justiça é limitada pela morosidade dos processos em tribunal e pelas dificuldades dos tribunais em lidar com questões ambientais.
Hélder Spínola, dirigente da Quercus, considera positivas as referências às avaliações de impacto ambiental no relatório da OCDE. "É uma questão que não tem sido debatida em Portugal, nunca foi posta em causa por nenhum partido ou oposição." O ambientalista diz que em Portugal muitos destes pareceres são um "pró--forma", sem efeitos práticos, uma vez que são os autores dos projectos que pagam a sua elaboração e as empresas que trabalham nesta área vêem-se forçadas a abdicar do rigor. "Sabem que se fizerem avaliações totalmente independentes acabam por não sobreviver no mercado. O instrumento de impacto ambiental acaba por estar ao serviço do investidor, seja público seja privado."
A avaliação de impacto ambiental é regulamentada por um decreto-lei de 2000. É obrigatória para os mais variados projectos – reflorestação, instalações industriais, barragens, parques de campismo ou estabelecimentos hoteleiros com mais de 200 camas. Os critérios são mais apertados se se tratar de um projecto numa área protegida. Para Hélder Spínola, umas das soluções seria autonomizar os pareceres dos proponentes dos projectos. "Podia pagar--se uma taxa à Agência Portuguesa do Ambiente, que contratualizaria a elaboração dos pareceres." Mas esta solução deixaria outro problema, nota o ambientalista. "Quem é que faria as avaliações dos projectos públicos? O que temos visto nos últimos anos é que, se um ministro ou primeiro-ministro apadrinha o projecto, acabam por não ser levantados problemas. Temos vários casos nos chamados projectos PIN (Potencial Interesse Nacional), em que não foram minimamente respeitados os instrumentos de ordenamento e protecção ambiental." As instalações do IKEA em Paços de Ferreira ou as novas instalações da Pescanova em Mira são alguns exemplos apontados por Hélder Spínola. Neste momento a Quercus tem a decorrer em tribunal 12 acções, a maioria contra projectos do Estado. A demora dos processos na justiça, e o facto de alguns pareceres só serem elaborados depois de o projecto estar já em curso – como também refere o relatório da OCDE – estão entre as preocupações. Susana Fonseca, presidente da ONG, dá outro exemplo recente. Só há duas semanas chegou ao fim o caso contra um empreendimento urbanístico na Mina do Azeiche, em Alcobaça, em que a Quercus era assistente e era pedida a suspensão do empreendimento. "Fomos para tribunal em 2004. Só agora é que saiu a decisão e já está tudo construído."
Marta F. Reis
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Fonte (texto e imagem): Jornal I on line

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