Se acha que a meteorologia está estranha, com neve em Junho na serra da Estrela, a
poucos dias do Verão, não está sozinho. Cientistas britânicos estão reunidos
nesta terça-feira na sede da agência meteorológica do Reino Unido – o Met Office
– para discutir as possíveis razões de condições anormais do tempo na Europa nos
últimos anos, incluindo o frio persistente dos últimos meses. “Temos assistido a
uma série de estações invulgares no Reino Unido e no Norte da Europa, como o
Inverno frio de 2010, o ano passado húmido e a Primavera fria deste ano”,
explica Stephen Belcher, director do Hadley Centre, o centro de investigação
climática do Met Office, num comunicado.
Em Dezembro de 2010, o Reino Unido enfrentou um gélida
onda de frio, com o termómetro a descer a níveis inéditos nos últimos 100 anos.
No Verão passado, foi a vez da chuva, que fez daquela estação a segunda mais
húmida desde que há séries comparáveis de registos meteorológicos. Agora, é
novamente o frio. Segundo o Met Office, a Primavera de 2013 foi a mais fria dos
últimos 50 anos. Entre Março e Maio, a temperatura média foi de seis graus
Célsius – 1,8 graus abaixo do que o normal para o período de 1981 a
2010.
Em Portugal, as condições andaram pelo mesmo
quadrante. O país enfrentou o mês de Maio mais frio dos últimos 20 anos, segundo
o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), com 0,84 graus Célsius
abaixo da média. Embora Abril tenha sido ligeiramente mais quente (mais 0,29
graus), Março foi bem mais frio (menos 0,76 graus) e extremamente chuvoso. Em
meados de Maio, a neve caiu com alguma intensidade na serra da Estrela. Em
Junho, voltou a surgir, com alguns flocos registados na Torre no passado dia 7,
segundo informação de um órgão de comunicação local. De acordo com o IPMA, havia
de facto condições para tal naquele dia, com precipitação e temperatura mínima
nos 0,3 graus Célsius nas Penhas Douradas, que está cerca de 600 metros abaixo
da Torre.
As mesmas condições repetiram-se na madrugada de
segunda para terça-feira. O IPMA tinha previsto a possibilidade de neve nos
pontos mais altos da serra, embora não tenha tido a confirmação nem do Centro de
Limpeza da Neve, em Piornos, nem de comerciantes locais, de que tenha de facto
nevado. Neve na serra da Estrela em Junho é tudo menos normal. “É uma situação
muito pouco frequente, com uma baixa probabilidade de ocorrência”, afirma a
climatologista Fátima Espírito Santo, do IPMA. Na estação meteorológica das
Penhas Douradas, nos últimos 70 anos há registo de neve em Junho apenas em 1984.
Outras estações climatológicas, entretanto desactivadas, detectaram neve em
Junho também em 1953, 1963, 1971 e 1977 – neste último ano, no dia 12 de
Junho.
O que os cientistas britânicos vão discutir hoje é até
que ponto tais situações se devem apenas à variabilidade natural do clima – que
pode sofrer grandes oscilações de ano para ano –, ou se há outras explicações.
Ironicamente, uma das teses que têm vindo a ser discutidas para explicar verões
húmidos ou primaveras frias tem a ver com o aquecimento da atmosfera. Um artigo
publicado em Março do ano passado na revista Geophysical Research Letters
associa o aumento da temperatura no Árctico com alterações nas chamadas
“correntes de jacto”, que sopram de oeste para leste, na alta
atmosfera.
O Árctico está a aquecer a uma velocidade maior do que
o resto do mundo, em parte porque está a perder parte da sua cobertura gelada,
que reflecte a radiação solar. Expostos, o mar ou a terra absorvem mais calor,
amplificando o aquecimento. Com isso, a diferença de temperatura entre as
latitudes elevadas e médias é menor, o que faz com que as correntes de jacto se
tornem mais sinuosas, atrasando a progressão de padrões atmosféricos. O
resultado é um “aumento da probabilidade de eventos meteorológicos resultante de
condições prolongadas, como secas, cheias, episódios de frio e ondas de calor”,
escrevem os autores do artigo, Jennifer Francis e Stephen Vavrus, das
universidades norte-americanas Rutgers e de
Wisconsin-Madison.
Seja qual for a explicação, as notícias não são as
melhores em Portugal para os próximos dias, pelo menos em parte do país. No
litoral norte e centro, as nuvens vão continuar a cobrir o sol, com
possibilidade de alguma chuva fraca, segundo a previsão do IPMA. Em Lisboa, a
temperatura subirá até ao fim-de-semana, mas apenas até aos 24 graus Célsius. Já
no interior, prevê-se sol, com o termómetro mais próximo do que seria de se
esperar para a estação. Évora, no sábado, pode chegar aos 31
graus.
Ricardo Garcia
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Fonte: PÚBLICO
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