Em menos de dois meses, três conferências internacionais sobre o Árctico foram
realizadas consecutivamente: a primeira em Reykjavik, na Islândia; a segunda em
Salejard, na Rússia; e a terceira em Bruxelas, sede das principais instituições
europeias. O que mais se ouviu nos bastidores destas reuniões é que a corrida
pelo "ouro do Árctico" começou. Por um lado, os empresários visam a exploração
energética da região, o turismo e um lucrativo atalho marítimo para o comércio
externo. Do outro lado da balança, os ambientalistas preocupam-se com a
manutenção do equilíbrio climático no planeta e do nível dos mares, a defesa do
lar de comunidades nativas, como também a protecção do habitat de animais em
vias de extinção, como ursos e raposas polares, além de espécies
marinhas.
Segundo o presidente da Islândia, Olafur Ragnar
Grimsson, o Árctico tornou-se o "novo terreno de jogo global". Em entrevista ao
canal CNN, observa que as conferências costumavam ser especializadas e reunir
poucas pessoas, mas este panorama mudou. A reunião do Círculo Árctico realizada
na segunda e na terça-feira na Islândia, por exemplo, contou com a presença do
secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, e a da ex-secretária de Estado americano,
Hillary Clinton. Em Bruxelas, a conferência "Futuro do Árctico", ocorrida entre
quinta e sexta-feira, exigiu acreditação prévia e teve lotação esgotada para
receber funcionários europeus, académicos, cientistas e
empresários.
Com o gradativo derretimento do gelo do Árctico, uma
corrida económica – e ecológica – se desdobra neste espaço geopolítico. As
fontes de petróleo e gás escondidas sob as águas geladas atiçam as potências do
Conselho Árctico, criado em 1996 e que reúne Rússia, Islândia, Finlândia,
Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Noruega e Suécia. A China, interessada em
projectos regionais, foi admitida este ano como observadora do
Conselho.
Além de novo espaço para exploração energética, o
Árctico também aparece como atalho para a navegação global. Em Agosto deste ano,
a China enviou o seu primeiro navio quebra-gelos à região, chamado "Dragão da
Neve", que viajou de Xangai até à Islândia, passando pelo norte da Rússia. Já o
cargueiro chinês "Yong Sheng" foi o primeiro navio mercante a tomar um atalho
pelo norte. Saiu de Xangai directo para o porto de Roterdão, na Holanda,
cortando um trajecto de duas semanas se tivesse seguido pelo canal de Suez no
Egipto.
Consultado pelo Terra, o professor de Geografia Física
da Universidade Livre de Bruxelas (ULB) e membro do Painel do Clima da ONU,
Philippe Huybrechts, explica que estamos a viver um ciclo vicioso. O uso de
combustíveis fósseis como o petróleo emite mais carbono na atmosfera, que
provoca o aumento de temperatura do planeta e que, por sua vez, acelera o
derretimento do gelo do Árctico. Sem as dificuldades impostas pelo gelo, as
empresas vêem o espaço como mais uma fonte para continuar a exploração de
petróleo e gás – reiniciando o ciclo vicioso. "Este é o lado perverso da
questão: o aquecimento global gera mais aquecimento global", resume
Huybrechts.
No fim de Setembro, a Rússia realizou a sua própria
reunião sobre o Árctico em Salejard. Na ocasião, o presidente da Rússia,
Vladimir Putin, defendeu as actividades de perfuração das empresas russas
Gazprom e Rosneft em explorar a plataforma continental árctica do país. Putin
também admitiu que os activistas do navio Arctic Sunrise, da ONG ambiental
Greenpeace – inclusive a bióloga brasileira Ana Paula Maciel – não são
"piratas", mas teriam infringido o Direito Internacional. Os ambientalistas
defendem o protesto pacífico realizado no Árctico russo, uma vez que as empresas
não contam com os recursos tecnológicos necessários para reagir em situações de
emergência de vazamento de petróleo no Árctico ou explorar de forma sustentável
um ambiente sensível para todas as nações do planeta.
Na reunião em Bruxelas, Peter Wadhams, professor de
Física do Oceano Polar da Universidade de Cambridge, do Reino Unido, questionou
os conferencistas e o público: "Esta é a real questão: devemos permitir
navegação e perfuração no Árctico?". A resposta, para o professor, é negativa.
"Não há maneira de se limpar o Árctico. Temos que equilibrar as vantagens com as
ameaças. Este é o maior problema", disse Wadhams. O especialista exemplificou
que a empresa Shell possui um plano detalhado sobre limpeza de petróleo para o
Árctico, mas não funcionaria na prática, pois permitiria retirar uma percentagem
ínfima de petróleo sobre o gelo.
A exploração económica da região também divide as
populações do Árctico. Reggie Joule, prefeito americano da vila do Árctico
Noroeste (Northwest Arctic Borough) de 7 mil pessoas no Alasca, disse em
Bruxelas que acredita numa parceria da população local com as empresas. Por
outro lado, o presidente do Conselho Circumpolar Esquimó, Aqqaluk Lynge, alertou
na Islândia que não se pode utilizar o Árctico para testes. "Não é um
laboratório. O oceano Árctico não é a última fronteira. É a nossa casa. É
preciso lembrar que há pessoas que vivem aqui", pediu Lynge, que nasceu na
Gronelândia (Dinamarca), na comunidade indígena Kalaalli, de cerca de 50 mil
pessoas.
Viviane Vaz
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Fonte: Portal TERRA
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