No passado dia 17 de janeiro o
território do continente encontrava-se sob a influência de uma depressão
complexa cujo núcleo principal se centrava, pelas 0 UTC, entre a Islândia e as
Ilhas Britânicas. Em associação a esta depressão desenvolveu-se e propagou-se,
para sueste, um núcleo secundário que se centrava a oeste da Corunha (Espanha)
pelas 9 UTC do mesmo dia. Esta configuração traduzia-se pela existência de um
vale em altitude a oeste da península, que promovia um fluxo de ar polar
modificado, ainda com razoável conteúdo em água precipitável, sobre o
território do continente. A referida massa de ar não apresentava grande
instabilidade, mas esta encontrava-se disponível até níveis relativamente
elevados. Por outro lado, foi notória a presença de uma corrente de jato aos
300 hPa, com uma orientação noroeste-sueste e cujo máximo se localizava a oeste
da península Ibérica pelas 9 UTC. Esta corrente de jato induzia, sobre as
regiões centro e sul do continente, um importante forçamento dinâmico favorável
à sustentação de fortes correntes ascendentes. Em face do perfil vertical do
vento criado entre a superfície e níveis elevados, algumas das estruturas
convectivas que se organizaram neste ambiente adquiriram uma natureza
supercelular.
Uma destas supercélulas (forma
convectiva dotada de uma corrente ascendente com movimento de rotação duradouro
e organizado nos níveis médios), formou-se cerca de 60 km a oeste-sudoeste de
Lisboa, tendo-se deslocado para este-nordeste e organizado gradualmente com a
aproximação à costa portuguesa. À escala de uma supercélula, os movimentos
ascendentes costumam ser particularmente fortes e, no contexto sinótico
apontado, terão favorecido um rápido transporte vertical e consequente brusco
arrefecimento da massa de água. Esta, conduzida bastante acima do nível de congelação
num ambiente convectivo organizado e duradouro como o de uma supercélula,
encontrou condições para se converter na grande quantidade de granizo
observada. Tratou-se essencialmente de granizo (pedras com diâmetro inferior a
5 mm) e saraiva de pequena dimensão (pedras com diâmetro até 10mm). Não
obstante o diâmetro relativamente modesto das pedras, o episódio foi notório
pela sua duração (havendo casos de queda de granizo durante mais de 15 minutos
sobre o mesmo local) e, por vezes, pela sua repetição sobre a mesma área. Estes
factos foram devidos à propagação relativamente lenta da supercélula sobre a
região de Lisboa (verificada entre a Parede e Sacavém) e a alguns episódios de
realimentação da mesma que tiveram lugar. Favoreceram, no seu conjunto, a
deposição de uma camada de granizo e saraiva com uma espessura razoável, sobre
áreas relativamente extensas.
Recorreu-se a um método
convencional baseado num valor limiar de refletividade radar, para efetuar um
diagnóstico das áreas onde terão caído pedras com diâmetro da ordem de 8 mm ou
superior, sobre a superfície. A animação de um produto de refletividade a baixa
altitude (indicador de posição plana, PPIZ a 800 m de altitude) permite
acompanhar a progressão da queda de granizo observada sobre a região de Lisboa.
Chama-se a atenção para o facto de áreas mais extensas do que as delimitadas
poderem ter sido afetadas pelo fenómeno, já que granizo de menor dimensão
poderá não ter sido detetado e, por outro lado, porque a observação do radar
não é absolutamente contínua no tempo. O granizo caído em áreas como a margem
sul, área a norte de Lisboa e região do Oeste esteve associado a formas
convectivas com alguma organização, embora nem todas de tipo supercelular. A
fim de se avaliar a distribuição global do granizo observado, apresenta-se a
sobreposição num mapa Google das áreas afetadas pela queda de granizo. Este
mapa poderá ser confrontado com um outro, do mesmo tipo, construído para
ilustrar o episódio de granizo de 29 de abril de 2011 sobre a cidade de Lisboa.
Uma comparação mostra que no episódio de 2011 foram afetadas áreas
relativamente mais extensas da cidade. Por outro lado, o histórico mostra
igualmente que as pedras de maior dimensão foram maiores no episódio de 2011.
Aproveita-se esta oportunidade
para esclarecer que granizo e neve são fenómenos distintos e que não devem ser
confundidos, embora se possa assemelhar o aspeto da deposição no solo. A neve
está, em geral, associada a massas de ar estratificadas, sem grande
instabilidade e caraterizadas por movimentos verticais ascendentes pouco
expressivos embora persistentes e abrangendo grandes áreas. Estes movimentos
são suficientemente lentos de modo a permitir a gradual formação dos cristais
de gelo que constituem os flocos de neve, por agregação progressiva. O regime
de precipitação tende a ser contínuo, embora também possam ocorrer aguaceiros
de neve. A queda de neve é observada sob temperatura do ar negativa ou pouco
positiva, à superfície. A queda de granizo, por seu turno, está apenas
associada a massas de ar em que instabilidade, a uma escala pelo menos local e
por vezes reforçada por outros efeitos, conduz a movimentos verticais
ascendentes muito vigorosos. Estes movimentos são de tal modo rápidos que não
permitem que o arrefecimento seja acompanhado pela cristalização. Nestas
condições forma-se o chamado gelo amorfo (pedras sem cristal consolidado, i.e.
granizo ou saraiva). Neste caso o regime de precipitação é de tipo intermitente
(aguaceiro), podendo as quedas de granizo durar um pouco mais no caso de o
escoamento ser lento e/ou diversas células convectivas passarem sobre a mesma
área, em instantes sucessivos. A queda de granizo pode ser observada com
temperatura do ar elevada à superfície, inclusive no Verão.
Consulte a análise pormenorizada
no site do IPMA, teclando aqui.
* * * * * * * *
Fonte: IPMA
Sem comentários:
Enviar um comentário