Sempre que Lisboa inunda – o que acontece amiúde –
chovem acusações e propõem-se soluções. Mas, a menos que não volte a chover no
futuro, partes da capital continuarão, por mais que se faça, a ficar submersas.
“Habituem-se”, ou antes, “adaptem-se”, sugere o geógrafo José Luís Zêzere,
especialista em gestão de risco. Construída sobre rios e ribeiras, a cidade tem
de aprender – sobretudo num cenário de alterações climáticas – a conviver
ciclicamente com as cheias. O importante é minimizar danos, e isso passa tanto
por ter um bom sistema de alerta, como por implementar medidas de mitigação do
problema nas zonas inundáveis.
O dia de segunda-feira – em que chuvas fortes e
concentradas alagaram vários pontos da cidade – teve o seu quê de
espectacularidade e são inúmeras as imagens e vídeos que a ilustram. Mas, no fim
do dia, o que ficou? “Uma cidade que voltou a funcionar pouco depois do caos,
uma cidade que soube reagir, uma cidade onde não houve pânico nas ruas”, diz, em
total contra-corrente, o especialista do Instituto de Geografia e Ordenamento do
Território da Universidade de Lisboa.
Podia ter sido de outra forma? A quente, a Câmara
Municipal de Lisboa, acossada pelas acusações de falta de limpeza das sarjetas,
apontou o dedo ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que não
teria avisado a tempo sobre a chuva que viria, retratando-se entretanto.
Escusando-se a entrar na guerra das acusações, Pedro Viterbo, do IPMA, contrapõe
que, no Verão, os modelos são falíveis. “Sabíamos que havia condições para haver
precipitação severa, mas os modelos para esta altura do ano apenas nos dão
probabilidades de ocorrência e o fenómeno foi muito localizado no espaço e no
tempo, pelo que só conseguimos acompanhar a situação pelo radar meteorológico.
Assim que os colegas verificaram que a chuva iria ser forte, foi emitido um
alerta para a Protecção Civil às 13h22”, explica o meteorologista. No Inverno,
os modelos já permitem previsões fiáveis a sete dias.
O certo é que a chuva apenas atingiu partes da cidade
e com diferentes intensidades. “Não havia condições de drenagem suficientes num
mês em que já choveu muito”, acrescentou Viterbo. Coincidindo com a subida da
maré do Tejo, a chuva não encontrou escoamento a caminho do rio e submergiu a
Baixa, a Praça de Espanha e Sete Rios. Culpa da falta de manutenção dos sistemas
de drenagem? Da ausência de sistemas modernos que escoem ou retenham as
águas?
Há quem tenha vindo dizer que sim. Tanto mais que
existe um Plano de Drenagem de Lisboa, aprovado em 2008, que prevê a construção
de sete reservatórios e uma bacia de retenção a céu aberto, no sopé de Monsanto,
como solução para evitar inundações na capital. Do valor total do plano, as
maiores fatias vão para estruturas de armazenamento de água (22,5 milhões de
euros) e reforço da rede (21 milhões). Outros 19,3 milhões destinam-se à
separação de redes, 13 milhões vão para desvio de caudal entre bacias e 2,1
milhões de euros servirão para beneficiação das descargas no rio Tejo. O PÚBLICO
tentou falar com o autor deste plano mas tal não foi
possível.
O certo é que o plano ainda não saiu do papel e as
opiniões dividem-se. Face a uma proposta como esta, que obriga a importantes
investimentos e a espaço para a construção de infraestruturas numa cidade que
está consolidada, há quem defenda, em contrapartida, intervenções pontuais mais
leves e medidas de mitigação ao nível da gestão do
território.
Criar descontinuidades nos pisos, evitando que tudo
fique impermeabilizado – deixar os logradouros com terra, por exemplo, usar
calçada ou paralelepípedos que permitem uma maior infiltração, criar espaços
verdes em zonas inundáveis – são algumas hipóteses. Mas nada, desde as obras
pesadas às mais leves, garantirá que os lisboetas nunca mais terão água pelos
joelhos: “Tem é de se ter um bom sistema de alerta e aplicar medidas de gestão
territorial nas zonas inundáveis”, diz José Luís Zêzere. Por exemplo? “Quando se
faz reabilitação nessas zonas, deve-se evitar a ocupação das caves e dos pisos
térreos, é uma questão de evitar problemas”, adianta.
Ana Fernandes
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Fonte: PÚBLICO
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