domingo, 1 de maio de 2016

5747. Fukushima, meu amor

A Central Nuclear de Almaraz, a 100 km da fronteira portuguesa, terminou em 2010 o seu tempo de vida útil. Apesar disso, o Estado Espanhol decidiu manter a central a trabalhar durante mais 10 (!) anos, imputando o risco real de um sistema produtor de energia obsoleto e incrivelmente perigoso às populações de Portugal e Espanha. Seis anos, uma catástrofe nuclear de Fukushima e 11 acidentes em Almaraz mais tarde, a central continua a funcionar, no limite da corrosão e da insegurança, para garantir, amortizado o investimento inicial, que os proprietários da Central continuem a lucrar para produzir energia inútil do ponto de vista das necessidades do nosso país vizinho.
A 11 de Fevereiro de 2016 uma das bombas de refrigeração do circuito terciário de Almaraz falha. É uma de duas destas bombas. A falha da primeira faz com que arranque a segunda, que lhe é em tudo igual. Existe ainda uma terceira bomba de refrigeração de reserva, igual em tudo, modelo, idade e tamanho, às duas primeiras. O Conselho de Segurança Nuclear autoriza, uma vez mais, a Central Nuclear de Almaraz a manter-se em funcionamento.
A 11 de Março de 2011 um corte de energia, provocado por um tsunami, inutiliza o sistema de refrigeração da central nuclear de Fukushima Daichii, e três dos reactores, mesmo desactivados, começam a aquecer e a fundir parcialmente os seus núcleos, o que ocorrerá quase totalmente nos três dias subsequentes. Os reactores resistiram ao sismo, mas a inundação ligada ao tsunami fará com que, apesar da central ter um sistema de segurança que desligou os reactores, o mesmo falhe. 12 dos 13 geradores de emergência suplentes não arrancam e o sistema de refrigeração debilitado não é capaz de retirar calor suficiente para impedir a fusão dos núcleos.
Em Setembro de 1990, enquanto a central nuclear de Almaraz se encontra desligada, o sistema de extracção de calor residual do núcleo deixa de funcionar durante 46 minutos.
No início dos anos 80 Anatoly Alexandrov, presidente da Academia das Ciências da União Soviética disse a Mikhail Gorbachev que o reactor nuclear de Chernobyl era absolutamente seguro: tão seguro que poderia ser instalado na Praça Vermelha, em Moscovo. A 26 de Abril de 1986, há 30 anos, o reactor nº4 da central nuclear de Chernobyl explode, libertando na atmosfera quantidades gigantescas de elementos radioactivos, cuja nuvem chega até à costa mediterrânica da Catalunha.
Em Outubro de 2007 há uma fuga de água radioactiva da piscina de combustível durante uma recarga de combustível do Reactor II da Central de Almaraz. 100 trabalhadores são evacuados de urgência. A temperatura da piscina de combustível aumenta de forma descontrolada.
Início de 2008: uma falha na bomba de circulação da água da piscina de arrefecimento do Reactor II de Almaraz ocorre enquanto a bomba suplente está em manutenção. Como resultado começa a evaporar-se água, o que leva à evacuação de todos os 300 trabalhadores que estavam no recinto.
A 28 de Março de 1979 na central nuclear de Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), às 4 da manhã, enquanto o reactor 2 funciona a 97% da sua potência, uma pequena avaria no circuito secundário de arrefecimento provoca um aumento de temperatura no sistema primário de arrefecimento, o que desencadeia o encerramento de segurança, desligando o reactor. Isto demora 1 segundo. Ocorre uma falha numa válvula de escape que não se fecha, o que não é assinalado nos painéis informativos. O líquido de refrigeração do sistema primário de arrefecimento escoa pela válvula aberta e o calor do decaimento nuclear do núcleo do reactor não é removido. O núcleo sofre uma fusão parcial e libertam-se grandes quantidades de substâncias radioactivas na atmosfera.
A descontaminação de Three Mile Island só foi dada por concluída em 1993, com um custo estimado de mil milhões de dólares. O custo de descontaminação de Chernobyl é incalculável. É uma cidade fantasma, numa região fantasma e deixou um milhão de mortes directamente associadas, assim como um aumento da incidência de cancros gigantesca naquela região da Ucrânia. A descontaminação de Fukushima está longe de começar, uma vez que a contaminação ainda não acabou e a central continua a vazar material radioactivo, há cinco anos, ininterruptamente, para o Oceano Pacífico.
E Almaraz com isso? Desde a sua inauguração em 1981, Almaraz tem registados 54 acidentes, sendo que desde 1996 são notáveis falhas recorrentes no sistema de refrigeração, aquele que coincide em todos os acidentes nucleares sérios. Desde a sua inauguração, o desenho da central já sofreu 4000 modificações. Teve 32 paragens de emergência e três de manutenção. Foi construída para operar 30 anos dentro da "segurança" (se é que se pode falar de segurança quando o reactor de Three Mile Island se fundiu com três meses de vida e o reactor de Chernobyl com três anos de vida). Esses trinta anos já foram amplamente ultrapassados. E os acidentes sucedem-se.
A central nuclear de Almaraz tem uma potência de 2.093,4MW. Parecendo relevante, mostra a sua insignificância: a produção eléctrica total em Espanha é de 100.000MW. O consumo total eléctrico em Espanha é de 40.000MW. A produção de todas as seis centrais nucleares espanholas é de 7.500MW. São pigmeus energéticos. Mas também são literalmente bombas atómicas de libertação controlada. No raio de contaminação de um acidente em Almaraz estão Madrid, a 180km, Lisboa, a 360km, e todas as cidades entre uma e a outra. Está o Tejo, que há décadas recebe as descargas nucleares de Almaraz através do embalse de Arrocampo, chegando o trítio de Almaraz a Lisboa. Esperar que tudo corra pelo melhor é um risco grave demais e uma irresponsabilidade, especialmente se considerarmos que a única razão pela qual a central se mantém aberta é para dar rendas garantidas de 161 milhões de euros anuais à Iberdrola, à Endesa e à Gas Natural Fenosa, suas proprietárias. Porque não precisamos de mais Chernóbeis nem Fukushimas para continuar a alimentar os lucros de uns poucos, a 11 de Junho organizar-se-á uma importante manifestação em Cáceres, juntando associações e partidos de Portugal e de Espanha com uma exigência simples: Fechar Almaraz. Que descanse em paz.
João Camargo
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Fonte: Sábado

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