Os termómetros têm teimado em subir nas últimas
semanas, mas, mesmo assim, Portugal ainda não registou nenhum incêndio com uma
duração superior a 24 horas. Os números oficiais mostram que até 15 deste mês a
área ardida era, pelo menos, a mais baixa dos últimos 20 anos. Mas os
especialistas não vêem razões para triunfalismos e atribuem os bons resultados
essencialmente ao Inverno e à Primavera “extremamente chuvosa” e fria, que
atrasou o crescimento da vegetação e impediu que secasse tão
rapidamente.
Isso, acreditam, tem explicado porque tem sido
possível controlar os incêndios nas últimas semanas e evitar que muitos
reacendam. Mesmo assim, insistem que ainda é cedo para cantar vitória e realçam
que o efeito tampão que a chuva prolongada causou se deverá esgotar nas próximas
duas ou três semanas, se as condições meteorológicas se
mantiveram.
“Tivemos um Inverno bastaste chuvoso e uma Primavera
igualmente chuvosa na maioria do país. Além da chuva, a Primavera foi fria. Isso
atrasou o crescimento da vegetação”, explica o engenheiro florestal Paulo
Fernandes, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. “Nos
últimos dias o tempo tem estado quente e seco, mas ainda há uma reserva de água
na vegetação que não é propícia à ocorrência de incêndios”,
acrescenta.
Joaquim Sande Silva, professor na Escola Superior
Agrária de Coimbra, concorda. “A chuva atrasou o início dos fogos, mas o
acumular da secura pode complicar o cenário nas próximas semanas”, alerta. Por
isso, insiste que ainda é muito cedo para fazer prognósticos. “Ainda estamos no
início da fase mais crítica. Ainda temos Agosto e Setembro que são meses
críticos”, realça. Paulo Fernandes diz que “o efeito tampão” tenderá a
desaparecer se o tempo se mantiver quente e seco.
Um relatório do Instituto Português do Mar e da
Atmosfera, que analisa o impacto da meteorologia na prevenção e combate dos
incêndios florestais, confirma a percepção dos especialistas. Destaca a
“Primavera fria e extremamente chuvosa” com valores de “precipitação muito acima
do normal”. E releva que em Junho, por exemplo, o valor médio do índice de seca
no continente “era inferior ao valor médio dos últimos 15 anos, sendo o mais
baixo da série dos anos 2003 a 2016”. “No final de Junho de 2016 o valor
acumulado da taxa diária de severidade, desde 1 de Janeiro, é o mais baixo dos
últimos 14 anos”, acrescenta-se.
O comandante operacional nacional, José Manuel Moura,
sublinha que o ano está a correr bem, mas não ignora que a situação se complicou
nos últimos dias. “Desde o princípio do ano contabilizamos 4585 incêndios
florestais, dos quais 2692 ocorreram desde dia 1”, precisa o responsável da
Autoridade Nacional de Protecção Civil. O número de ignições acompanha a
escalada das temperaturas. “Na passada segunda-feira registamos o número máximo
de ocorrências até ao momento: 229”, adianta.
José Manuel Moura recusa atribuir os louros do sucesso
apenas à meteorologia e sublinha que o “dispositivo de combate está mais
oleado”. Realça, por exemplo, que foram dadas este ano 304 acções de treino
operacional envolvendo 7100 operacionais e 35 mil guias de bolso que recordam as
regras de segurança. “Estamos a colher frutos do nosso trabalho”,
acredita.
Duarte Caldeira, presidente do conselho directivo do
Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil (CEIPC) e antigo presidente
da Liga dos Bombeiros Portugueses, considera que o dispositivo de combate
melhorou nos últimos anos. “É justo reconhecer que se avançou de forma
significativa. É difícil avançar muito mais”, afirma, lembrando que o
dispositivo não tem sofrido alterações significativas nos últimos anos. Apesar
disso, atribuiu os bons resultados em termos de área ardida a “uma casuística de
factores” em que pesa a chuva que se prolongou durante toda a
Primavera.
O último relatório do Instituto da Conservação da
Natureza e das Florestas, que faz o balanço dos incêndios florestais entre 1 de
Janeiro e 15 de Julho, contabilizam a área ardida mais baixa da última década
(2.174 hectares), quase sete vezes inferior à média 2006-2015 no mesmo período,
que ultrapassa os 15 mil hectares. O número de fogos registado no mesmo período
(2880) também é menos de metade da média da última década
(6881).
Os dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos
Florestais (conhecido pela sigla EFFIS), que, através de imagens de satélite,
contabiliza diariamente a área ardida, registam outros dois mil hectares ardidos
só desde dia 15. Mesmo assim a soma fica muito longe dos quase 29 mil hectares
ardidos o ano passado até final de Julho, um valor muito similar à média da
década anterior.
Apesar da bondade dos números, Caldeira acredita que
“ainda é cedo para tirar conclusões”. Lembra, por exemplo, que nesta altura o
total da área ardida tem sido influenciado por meses como Março, em que este ano
simplesmente não ardeu porque choveu muito. E repete um discurso em que tem
vindo a insistir: “A floresta portuguesa continua a ter as vulnerabilidades que
apresenta há muito anos. É preciso voltar à questão essencial”. Condena que os
focos continuem direccionados ao combate e se deixe a prevenção longe dos
holofotes. “Claro que é muito mais fácil acrescentar um avião ao dispositivo de
combate que fazer uma profunda reforma na propriedade florestal do país”,
critica. E lamenta que não se tenha avançado no ordenamento florestal, na
resposta ao despovoamento do interior ou na capacidade de desenvolver as zonas
de intervenção florestal.
Mariana Oliveira
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Fonte (texto e imagem): PÚBLICO
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