domingo, 13 de novembro de 2016

5972. O Acordo de Paris e o novo paradigma legal e económico das mudanças climáticas

A 22ª Conferência das Partes (COP 22) da Convenção-Quadro de Mudança do Clima da ONU acontece de 07 a 18 de Novembro, em Marrakech, Marrocos. Neste momento terá entrado em vigor o Acordo de Paris, adoptado há menos de um ano na COP 21 e hoje já ratificado por mais de 90 países, inclusive Brasil, EUA e China. É a primeira vez que um tratado internacional para controlar emissões de gases de efeito estufa (GEE) reúne compromissos de tantos países (ricos, emergentes e pobres) e em tão curto espaço de tempo.
O Acordo de Paris é um tratado de direito internacional sob o “guarda-chuva” da Convenção-Quadro de Mudança do Clima da ONU (1992). Muitos quiseram chamá-lo “acordo de implementação”, mas em diversos aspectos o Acordo de Paris parece buscar objectivos que vão além da estrita implementação da Convenção-Quadro.
Uma das grandes inovações do Acordo de Paris está no facto de que os compromissos centrais de esforços no controlo das emissões de GEE são comuns a todos, sem distinção entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Até então, a Convenção-Quadro, seguida pelo Protocolo de Quioto, dava um tratamento binário ao nível de compromissos de mitigação das emissões: países desenvolvidos tinham compromissos vinculativos de reduzir emissões, enquanto os em desenvolvimento poderiam agir voluntariamente ou mediante apoio financeiro e tecnológico. É a expressão do chamado princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, que recomenda que os ónus da responsabilidade de agir sejam distribuídos de forma diferenciada, levando em consideração: o nível de responsabilidade de cada país (inclusive a responsabilidade histórica pelas emissões concentradas de GEE na atmosfera) e a capacidade de agir, limitada por factores económicos, sociais, locacionais, entre outros.
No Acordo de Paris, todos os países indistintamente devem apresentar, como condição para adesão ao acordo, a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (em inglês conhecida pela sigla NDC – Nationally Determined Contribution). A NDC é um documento que contém as metas e medidas que cada país pretende tomar, até pelo menos ao ano de 2025, para colaborar nos esforços globais de mitigação do efeito estufa, incluindo medidas que reduzam projecção de emissões e que capturem GEE da atmosfera. A NDC deve ser renovada em ciclos de cinco anos, sendo que cada nova contribuição deve ser maior e mais ambiciosa que a anterior. A apresentação, manutenção e actualização periódica da NDC é compromisso comum a todos os países. Até ao momento, o conteúdo e nível de ambição de cada NDC é autodeterminado pelos países, de acordo com sua percepção sobre as suas responsabilidades e capacidades para assumir tais esforços (“autodiferenciação”). Há mecanismos no Acordo de Paris, contudo, que permitem que ainda venham a ser criados critérios de diferenciação dos países em relação ao conteúdo das NDCs, como por exemplo a definição de que quanto maior o grau de desenvolvimento do país, maior a cobertura de sectores da economia com controlo de emissões.
Os países devem reportar os avanços no cumprimento das NDCs, tendo para isso sido criada uma estrutura de transparência, com o objectivo de analisar a consistência dos dados submetidos e o nível de cumprimento das NDCs. O progresso colectivo no cumprimento das NDCs será acompanhado por um mecanismo de avaliação global (em inglês global stock-take), a ser realizada no ano de 2023 e depois a cada cinco anos. A avaliação global terá em vista o nível de desempenho colectivo para atingir a meta de temperatura global: assegurar que a temperatura global da terra não aumentará mais do que 1,5 graus celsius ou aumentará bem menos do que 2,0 graus celsius.
Se para aderir e cumprir o Acordo de Paris é necessário submeter um NDC à ONU, mantê-la e renová-la periodicamente; para implementar o Acordo de Paris no ordenamento jurídico nacional é necessário criar instrumentos legais duradouros que incorporem a mitigação da mudança climática nas suas políticas económicas e sociais. O maior desafio da mitigação da mudança do clima reside no facto de as fontes de emissão de GEE estarem relacionadas a virtualmente todos os sectores da economia de um país. Muitas economias ainda são altamente dependentes de grandes fontes de emissão como carvão, petróleo e gás, principalmente entre os países em desenvolvimento, que ainda não começaram a “limpar” as suas matrizes energéticas.
Se até então a discussão sobre mudanças climáticas era predominantemente entre países desenvolvidos com compromissos de “comprar créditos de carbono” no âmbito do Protocolo de Quioto, a partir do Acordo de Paris o assunto é de interesse de todos. E para fomentar a ajuda mútua entre todos os países neste esforço colectivo de controlo das emissões, o Acordo de Paris prevê a criação de mecanismos de cooperação, inclusive instrumentos económicos e de mercado, que permitam por exemplo transaccionar títulos representativos do êxito de cada país no controle de emissões, ou o engajamento de projectos conjuntos de redução de GEE. Isto não é totalmente novo nas economias mundiais desde que o Protocolo de Quioto criou o “comércio de emissões” entre países desenvolvidos, e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) – com projectos de redução de emissões envolvendo países em desenvolvimento. A diferença é que com o Acordo de Paris esse mercado atinge escala global, permitindo a participação de todos os países – desde que cumpridas regras que resguardem a integridade do mercado em relação à efectiva redução de emissões de efeito estufa agregadas (que garantam que não haverá “double counting” das emissões transaccionadas, por exemplo). Um mercado global poderá integrar mercados regionais, nacionais e subnacionais já existentes (União Europeia, China e British Columbia, por exemplo), e fomentar a criação de novos mercados de emissões nacionais.
O Acordo de Paris entra em vigor em 04 de Novembro de 2016. Nesta primeira conferência das partes (CMA1), muitas decisões serão tomadas para dar corpo ao sistema de governança internacional que vai implementar o acordo, inclusive todos os mecanismos previstos. Os mercados certamente estarão atentos aos sinais enviados pelas importantes decisões que sairão desta reunião até 18 de Novembro de 2016. O mercado brasileiro em especial deve-se preparar para este novo e premente cenário, e para as grandes oportunidades de uma economia de baixo carbono no Brasil.
Caroline Prolo
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Fonte (adaptado): Estadão

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