quinta-feira, 9 de março de 2017

6143. Na Serra do Perdigão, o ar sopra para o Novo Atlas Europeu do Vento

E se lhe disséssemos que os estudos do vento têm sido feitos com medições de 1989? Para actualizar essa informação para toda a União Europeia, uma panóplia de equipamentos já está a funcionar numa serra em Vila Velha de Ródão.
Num atlas podemos encontrar todo o tipo de informações. Geralmente tem mapas com informações de cartografia, geografia e astronomia. E tudo isto porquê? Porque na mitologia grega Atlas é a personagem que foi castigada a carregar o mundo. O geógrafo grego Ptolomeu, no ano 150, atribuiu este mesmo nome ao primeiro atlas de que se tem conhecimento. Mas para criar um atlas é necessário reunir primeiro a informação. É isso que já está a acontecer na Serra do Perdigão, em Vila Velha de Ródão. Um grupo de cientistas de oito países da Europa – incluindo Portugal – e de um consórcio de instituições dos Estados Unidos estão a fazer medições do vento para futuros estudos.
“Começámos a pensar no projecto em 2005”, diz-nos José Laginha Palma, coordenador português do projecto e professor da Faculdade de Engenharia do Porto (FEUP). O Novo Atlas Europeu do Vento (NEWA, na sigla em inglês), como se chama o projecto, pretende “recolher direcções e velocidades do vento e conjuntos de informações e parâmetros físicos, que serão guardados para futuros estudos”, salienta José Laginha Palma. Além de poder ser aplicado no sector da energia eólica, este atlas será útil para estudar a poluição atmosférica, a dispersão de poluentes, os fogos florestais e situações em que é necessário conhecer bem o terreno.
Com a duração de cinco anos (2015-2019), o projecto é formado por instituições da Dinamarca, Bélgica, Suécia, Espanha, Alemanha, Letónia e Turquia. De Portugal conta com a FEUP, o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI), o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). E dos Estados Unidos participam, por exemplo, o Centro Nacional de Investigação Atmosférica e as universidades do Colorado e da Califórnia. No total, o financiamento do NEWA é de cerca de 14 milhões de euros.
Até agora, a avaliação das características do vento, sobretudo com fins energéticos, baseava-se no Atlas Europeu do Vento de 1989, elaborado para a Comissão Europeia tendo em conta um conjunto de medições principalmente no Monte em Askervein, numa ilha ao largo da Escócia. Na altura, de Portugal participava no projecto o então Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica e a Universidade do Porto. “O Atlas do Vento fornece um retrato fiável da distribuição global dos recursos do vento na Europa”, lê-se no atlas de 1989. Ao longo do documento, há algumas referências a Portugal e à instalação de torres eólicas no futuro.
Agora, houve a necessidade de renovar os dados da década de 80: “Hoje os procedimentos do atlas estão obsoletos devido à maior dimensão e potência dos aerogeradores e à sua instalação em terrenos de maior complexidade do que inicialmente previsto”, refere um comunicado da Universidade do Porto. “Hoje em dia conseguimos fazer simulações em computador, mas não sabemos os valores reais”, acrescenta José Laginha Palma.
A Serra do Perdigão foi o local escolhido para a colocação de equipamentos em 2011 e a “experiência-piloto” ocorreu em 2015. A recolha de informação para o Novo Atlas Europeu do Vento – com cobertura para os países da União Europeia, o Mar do Norte e o Báltico e indo até 100 quilómetros da costa – e começou com a medição das características do vento a grandes distâncias. Contudo, estas medições foram feitas sem torres meteorológicas e apenas com seis unidades de detecção remota.
Em 2017, o projecto cresceu. A Serra do Perdigão já está electrificada e vários equipamentos invadiram-na, desde sensores locais a aparelhos de detecção remota com lasers, assim como uma torre meteorológica com cerca de 100 metros. Ao todo, são 54 torres e cada uma pode ter até 30 sensores para medir a velocidade e a direcção do vento, a temperatura do ar, a humidade e outros factores. A velocidade do vento pode ser medida 20 vezes por segundo e a temperatura do solo uma vez por hora. Além disso, 22 instrumentos vão estudar a flutuação do vento em pequena escala a três dimensões usando uma técnica de laser. E há sistemas de comunicação dos dados.
O IPMA, por exemplo, terá mais de dez técnicos e serão usados sondas e balões meteorológicos. “A nossa principal tarefa é preparar previsões mais específicas para a experiência”, explica Margarida Belo Pereira, investigadora do IPMA. Irá fazer-se a previsão de trovoadas, nevoeiros ou a passagem de uma frente fria centradas na Serra do Perdigão, embora possa haver também previsões para outros locais do país. “Vamos conhecer melhor a meteorologia daquela região. Nunca se fez uma captura [de informações meteorológicas] em Portugal tão detalhada”, afirma Margarida Belo Pereira. Ter-se-á um retrato do vento a uma microescala de um quilómetro. “Vai permitir-nos conhecer [o vento] a uma escala mais realista do que conhecíamos.”
E porquê a escolha de Portugal? Devido às características orográficas da Serra do Perdigão: “Os dois montes da serra são paralelos e têm lombas que se destacam na planície”, explica José Laginha Palma. Entre os dois montes, que se separam por 500 metros, o vento sopra geralmente oito metros por segundo, mas pode ir até aos 40 metros por segundo.
A partir da Serra do Perdigão, os investigadores poderão aplicar as suas informações a outros sítios. “A forma como o vento contorna o terreno e a velocidade do vento variam com a distância ao solo será semelhante”, diz José Laginha Palma.
As medições do vento já começaram a 15 de Fevereiro e terão a sua maior intensidade entre Março e Julho. Em campo, vão estar 30 a 40 investigadores, técnicos e alunos de doutoramento. “Os resultados finais servem para [elaborar] um mapa e ver os locais com mais vento e onde há mais na serra, bem como a sua distribuição espacial”, afirma o coordenador português.
Mas a serra portuguesa não é o único local de experiências para o Novo Atlas Europeu do Vento. Desde Junho de 2015, já começaram também no Norte da Europa, nomeadamente na Alemanha, Dinamarca, Suécia e Letónia, e só terminarão em Maio deste ano. Aqui o objectivo é criar um modelo de mesometeorologia (que pode ir até algumas centenas de quilómetros), para conhecer com mais detalhe o vento nas zonas costeiras.
Em 2016, em Kassel, na Alemanha, também decorreram experiências para obter dados a partir de terrenos montanhosos. E está ainda previsto que Pamplona, em Espanha, contribua com informações para o Novo Atlas Europeu já a partir de Julho.
O projecto foi notícia este mês na revista Nature – “um ventoso vale rural no Leste de Portugal foi invadido por máquinas”, assim começa o artigo. Para o projecto em Vila Velha de Ródão, o consórcio norte-americano tem cerca de 2,8 milhões de euros, segundo a revista. A parte portuguesa do financiamento é de 750 mil euros, 500 mil dos quais financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e 250 mil euros de fundos europeus, especifica José Laginha Palma. “O orçamento é insuficiente. O ideal seria algo na ordem dos três milhões de euros só da parte portuguesa”, considera.
“O objectivo é clarificar propriedades fundamentais do fluxo do vento sobre terrenos complexos, para ajudar os investigadores a melhorar os modelos atmosféricos e permitir que os engenheiros decidam onde colocar as turbinas de vento para obterem mais energia”, refere ainda o artigo na Nature. Também é salientado que o atlas servirá para ajudar a perceber melhor o que se passa com a poluição atmosférica e facilitar a navegação de drones. “Isto irá mudar a compreensão da física da atmosfera e a forma como podemos optimizar a energia do vento”, disse à Nature Sara Pryor, investigadora na Universidade de Cornell, em Ithaca, EUA. “É brilhante.”
Teresa Serafim
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Fonte (texto e imagens): PÚBLICO

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