E se lhe disséssemos que os estudos do vento têm sido feitos com medições de 1989?
Para actualizar essa informação para toda a União Europeia, uma panóplia de
equipamentos já está a funcionar numa serra em Vila Velha de
Ródão.
Num atlas podemos encontrar todo o tipo de
informações. Geralmente tem mapas com informações de cartografia, geografia e
astronomia. E tudo isto porquê? Porque na mitologia grega Atlas é a personagem
que foi castigada a carregar o mundo. O geógrafo grego Ptolomeu, no ano 150,
atribuiu este mesmo nome ao primeiro atlas de que se tem conhecimento. Mas para
criar um atlas é necessário reunir primeiro a informação. É isso que já está a
acontecer na Serra do Perdigão, em Vila Velha de Ródão. Um grupo de cientistas
de oito países da Europa – incluindo Portugal – e de um consórcio de
instituições dos Estados Unidos estão a fazer medições do vento para futuros
estudos.
“Começámos a pensar no projecto em 2005”, diz-nos José
Laginha Palma, coordenador português do projecto e professor da Faculdade de
Engenharia do Porto (FEUP). O Novo Atlas Europeu do Vento (NEWA, na sigla em
inglês), como se chama o projecto, pretende “recolher direcções e velocidades do
vento e conjuntos de informações e parâmetros físicos, que serão guardados para
futuros estudos”, salienta José Laginha Palma. Além de poder ser aplicado no
sector da energia eólica, este atlas será útil para estudar a poluição
atmosférica, a dispersão de poluentes, os fogos florestais e situações em que é
necessário conhecer bem o terreno.
Com a duração de cinco anos (2015-2019), o projecto é
formado por instituições da Dinamarca, Bélgica, Suécia, Espanha, Alemanha,
Letónia e Turquia. De Portugal conta com a FEUP, o Instituto de Ciência e
Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI), o Laboratório
Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e o Instituto Português do Mar e da
Atmosfera (IPMA). E dos Estados Unidos participam, por exemplo, o Centro
Nacional de Investigação Atmosférica e as universidades do Colorado e da
Califórnia. No total, o financiamento do NEWA é de cerca de 14 milhões de
euros.
Até agora, a avaliação das características do vento,
sobretudo com fins energéticos, baseava-se no Atlas Europeu do Vento de 1989,
elaborado para a Comissão Europeia tendo em conta um conjunto de medições
principalmente no Monte em Askervein, numa ilha ao largo da Escócia. Na altura,
de Portugal participava no projecto o então Instituto Nacional de Meteorologia e
Geofísica e a Universidade do Porto. “O Atlas do Vento fornece um retrato fiável
da distribuição global dos recursos do vento na Europa”, lê-se no atlas de 1989.
Ao longo do documento,
há algumas referências a Portugal e à instalação de torres eólicas no
futuro.
Agora, houve a necessidade de renovar os dados da
década de 80: “Hoje os procedimentos do atlas estão obsoletos devido à maior
dimensão e potência dos aerogeradores e à sua instalação em terrenos de maior
complexidade do que inicialmente previsto”, refere um comunicado da Universidade
do Porto. “Hoje em dia conseguimos fazer simulações em computador, mas não
sabemos os valores reais”, acrescenta José Laginha Palma.
A Serra do Perdigão foi o local escolhido para a
colocação de equipamentos em 2011 e a “experiência-piloto” ocorreu em 2015. A
recolha de informação para o Novo Atlas Europeu do Vento – com cobertura para os
países da União Europeia, o Mar do Norte e o Báltico e indo até 100 quilómetros
da costa – e começou com a medição das características do vento a grandes
distâncias. Contudo, estas medições foram feitas sem torres meteorológicas e
apenas com seis unidades de detecção remota.
Em 2017, o projecto cresceu. A Serra do Perdigão já
está electrificada e vários equipamentos invadiram-na, desde sensores locais a
aparelhos de detecção remota com lasers, assim como uma torre meteorológica com
cerca de 100 metros. Ao todo, são 54 torres e cada uma pode ter até 30 sensores
para medir a velocidade e a direcção do vento, a temperatura do ar, a humidade e
outros factores. A velocidade do vento pode ser medida 20 vezes por segundo e a
temperatura do solo uma vez por hora. Além disso, 22 instrumentos vão estudar a
flutuação do vento em pequena escala a três dimensões usando uma técnica de
laser. E há sistemas de comunicação dos dados.
O IPMA, por exemplo, terá mais de dez técnicos e serão
usados sondas e balões meteorológicos. “A nossa principal tarefa é preparar
previsões mais específicas para a experiência”, explica Margarida Belo Pereira,
investigadora do IPMA. Irá fazer-se a previsão de trovoadas, nevoeiros ou a
passagem de uma frente fria centradas na Serra do Perdigão, embora possa haver
também previsões para outros locais do país. “Vamos conhecer melhor a
meteorologia daquela região. Nunca se fez uma captura [de informações
meteorológicas] em Portugal tão detalhada”, afirma Margarida Belo Pereira.
Ter-se-á um retrato do vento a uma microescala de um quilómetro. “Vai
permitir-nos conhecer [o vento] a uma escala mais realista do que
conhecíamos.”
E porquê a escolha de Portugal? Devido às
características orográficas da Serra do Perdigão: “Os dois montes da serra são
paralelos e têm lombas que se destacam na planície”, explica José Laginha Palma.
Entre os dois montes, que se separam por 500 metros, o vento sopra geralmente
oito metros por segundo, mas pode ir até aos 40 metros por
segundo.
A partir da Serra do Perdigão, os investigadores
poderão aplicar as suas informações a outros sítios. “A forma como o vento
contorna o terreno e a velocidade do vento variam com a distância ao solo será
semelhante”, diz José Laginha Palma.
As medições do vento já começaram a 15 de Fevereiro e
terão a sua maior intensidade entre Março e Julho. Em campo, vão estar 30 a 40
investigadores, técnicos e alunos de doutoramento. “Os resultados finais servem
para [elaborar] um mapa e ver os locais com mais vento e onde há mais na serra,
bem como a sua distribuição espacial”, afirma o coordenador
português.
Mas a serra portuguesa não é o único local de
experiências para o Novo Atlas Europeu do Vento. Desde Junho de 2015, já
começaram também no Norte da Europa, nomeadamente na Alemanha, Dinamarca, Suécia
e Letónia, e só terminarão em Maio deste ano. Aqui o objectivo é criar um modelo
de mesometeorologia (que pode ir até algumas centenas de quilómetros), para
conhecer com mais detalhe o vento nas zonas costeiras.
Em 2016, em Kassel, na Alemanha, também decorreram
experiências para obter dados a partir de terrenos montanhosos. E está ainda
previsto que Pamplona, em Espanha, contribua com informações para o Novo Atlas
Europeu já a partir de Julho.
O projecto foi notícia este mês na revista
Nature – “um ventoso vale rural no Leste de Portugal foi invadido por
máquinas”, assim começa o artigo. Para o projecto em Vila Velha de Ródão, o
consórcio norte-americano tem cerca de 2,8 milhões de euros, segundo a revista.
A parte portuguesa do financiamento é de 750 mil euros, 500 mil dos quais
financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e 250 mil euros de
fundos europeus, especifica José Laginha Palma. “O orçamento é insuficiente. O
ideal seria algo na ordem dos três milhões de euros só da parte portuguesa”,
considera.
“O objectivo é clarificar propriedades fundamentais do
fluxo do vento sobre terrenos complexos, para ajudar os investigadores a
melhorar os modelos atmosféricos e permitir que os engenheiros decidam onde
colocar as turbinas de vento para obterem mais energia”, refere ainda o artigo
na Nature. Também é salientado que o atlas servirá para ajudar a perceber melhor
o que se passa com a poluição atmosférica e facilitar a navegação de drones.
“Isto irá mudar a compreensão da física da atmosfera e a forma como podemos
optimizar a energia do vento”, disse à Nature Sara Pryor, investigadora na
Universidade de Cornell, em Ithaca, EUA. “É brilhante.”
Teresa Serafim
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Fonte (texto e imagens): PÚBLICO
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