Uma cobertura
noticiosa dos incêndios que banaliza o acontecimento, assim como o recurso ao
sensacionalismo, pode ter um efeito promotor de fogos postos por parte de
grupos mais vulneráveis, alertam especialistas. “Há uma banalização da
gravidade dos actos”, disse à agência Lusa a psicóloga da Polícia Judiciária,
Cristina Soeiro, que há muito estuda os incendiários.
Para esta
especialista, a simples referência a “época de incêndios” ou mostrar o mapa de
Portugal a laranja e vermelho é uma forma de “normativizar e banalizar a
informação”, sendo que a cobertura, com longos minutos na televisão com imagens
de floresta a arder, “é excessiva e pode ter um efeito de empolgar a situação”.
“Não se pode dizer só que está a arder. Isso não é produtivo. Em vez de se
focarem nas imagens do fogo, deviam focar-se na entrevista das pessoas
responsáveis em tomar decisões, no que poderá estar errado, nas consequências
do incêndio para as pessoas pensarem um bocadinho que qualquer coisa que faça
na floresta é sua responsabilidade”, defendeu Cristina Soeiro.
Desde 1997, que
a PJ monitoriza os incendiários detidos. Neste momento, tem cerca de 600
indivíduos estudados, permitindo dividir os incendiários em “três grandes
padrões”. Cristina Soeiro realça que o grupo mais frequente (55%) está
normalmente associado a três factores: défice cognitivo, alcoolismo e outros
problemas de saúde mental, como o autismo. O segundo grupo mais frequente (40 a
44%) é o das pessoas que usam o incêndio como instrumento “de vingança ou
retaliação”, seja para “chamar a atenção dos outros ou resolver problemas de
divisão de terras”, sendo que este perfil tem vindo “a diminuir
progressivamente nos últimos anos”. O terceiro grupo – o menos expressivo (”não
passa dos 6%”) – é constituído por pessoas “que retiram algum benefício de um
incêndio”, nomeadamente pegar fogo para limpar terrenos. Há também quem receba
“montantes pequenos para incendiar uma zona qualquer”, não sendo identificado
nesse terceiro grupo “a presença de um perfil de um crime organizado”, realçou.
Por se estar a
falar de um perfil de incendiário que, na sua maioria, está associado a um
grupo de pessoas vulneráveis, Cristina Soeiro vincou que o tratamento noticioso
pode ter consequências positivas, caso seja moderado e procure dar “a notícia
completa – não apenas a floresta a arder, mas as consequências, de tudo o que
se perde, da ausência dos animais”. No entanto, a psicóloga da PJ referiu que
não há “nenhum estudo estruturado” que permita dizer que as imagens da floresta
a arder possam “ter um efeito de activação em indivíduos, principalmente no
grupo de risco maior”.
“Na minha perspectiva,
como psiquiatra, há um exagero manifesto na mostra de imagens de incêndios”,
afirmou à Lusa o psiquiatra e professor na Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra Carlos Braz Saraiva, que enquanto psiquiatra forense
estudou incendiários nos grandes fogos de 2003 e 2005.
O psiquiatra
sublinhou que a maioria dos incendiários têm “personalidades mais vulneráveis”,
sendo que “os minutos e minutos consecutivos” de imagens podem ter um impacto
negativo, recordando o caso de um jovem na Serra do Açor que lhe confessou a
alegria de ver os aviões e os helicópteros a sobrevoar a sua terra. “É um espectáculo
e devia haver uma autorregulação” da cobertura dos fogos, defendeu.
O coordenador do
Centro de Prevenção e Tratamento do Trauma Psicológico de Coimbra, João Redondo
sublinha que os media podem ter um efeito benéfico junto das populações. Nesse
sentido, recorda o projecto internacional eFIRECOM, que traça algumas
recomendações que os jornalistas deveriam seguir: “melhorar a compreensão
social em relação à gestão de riscos de incêndios, promover uma melhor
compreensão da fragilidade e da vulnerabilidade do meio ambiente, reduzir o
‘show’ nas notícias sobre os incêndios florestais a fim de não motivar atitudes
propensas à indução de incêndios, evitar a instrumentalização política e
mediática do fenómeno dos incêndios florestais e o tratamento sensacionalista
do evento catastrófico”.
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Fonte: dnoticias
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