Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre
Incêndios Florestais, tem estado sob fogo cerrado da EDP, que rejeita as
conclusões do relatório sobre os incêndios de Pedrógão – a equipa da
Universidade de Coimbra concluiu que os dois principais focos de incêndio, em Junho,
foram provocados pelo contacto entre linhas de média tensão e árvores que não
deviam estar próximas dessas linhas. Agora, em entrevista ao DN e à TSF, Xavier
Viegas admite que "no dia 15, com o vendaval que tivemos, pode ter
acontecido isso mesmo" em diferentes pontos do país. Este especialista diz
compreender que "não é fácil manter estes não sei se centenas se milhares
de quilómetros de linhas eléctricas por todo o país", mas afirma que devia
haver um maior investimento, por parte da EDP, na limpeza e no cuidado das
zonas de floresta atravessadas por essas linhas eléctricas: "Receio que
não tenha sido feito o investimento necessário."
Numa conversa que decorreu no laboratório de aerodinâmica do
departamento de engenharia mecânica da Universidade de Coimbra, este académico
com mais de 30 anos de experiência no estudo de prevenção e combate aos fogos
florestais diz temer agora uma velha característica do poder político – o
impulso de legislar sob pressão. Em dia de Conselho de Ministros dedicado à
floresta e ao combate aos incêndios florestais, Xavier Viegas confessa um
receio. Teme que o executivo não tenha tido tempo suficiente para estudar os
diversos relatórios e que esteja a mergulhar pouco preparado em temas
sensíveis. É por isso que deixa um alerta: "Fala-se agora em criar um novo
sistema. A minha preocupação e o meu apelo aos responsáveis é que tenham
cuidado. Que, ao fazerem a reforma, não deitem fora aquilo que é bom, aquilo
que é válido e saudável no sistema – naturalmente tem de haver aperfeiçoamentos
–, mas que não se vá atrás de ideias originais que possam surgir agora e que
até poderão ser oportunistas. Eu tenho muito receio de que haja alguma
precipitação." Xavier Viegas clarifica: "O anúncio de que no Conselho
de Ministros deste sábado já vão ser tomadas decisões... Eu não sei que
reflexão houve, que apuramento de dados há para que sejam tomadas decisões tão
profundas sobre esta matéria num espaço de tempo tão curto."
Xavier Viegas recorda o trabalho de campo para o relatório sobre os
incêndios de Pedrógão e conta que o que viu apenas serviu para reforçar uma
convicção, a de que estamos perante uma longa acumulação de erros e omissões do
poder político. "É uma questão sistémica há dezenas de anos. Fui a todos
os lugares onde houve perda de vidas. E o que encontrámos? Um país que está à
margem do país que é imaginado em Lisboa. Estamos a uma pequena distância do
mar e de vias principais e encontramos aldeias que não têm saneamento, casas
que não têm água corrente. Como é que pessoas com rendimentos tão baixos e que
vivem do que cultivam, como é que é possível esperar que estas pessoas façam o
trabalho de limpar as florestas?" Foi esse país real que ardeu em Junho e
voltou a arder no domingo, deixando feridas profundas, um rasto de destruição
de campos, casas e empresas, e uma lista de vítimas que ainda ontem aumentou –
44 mortos nos incêndios de dia 15 e outros 64 em Pedrógão. Este engenheiro
mecânico não hesita na palavra. "Há aqui uma falha na governação do país,
na distribuição relativa da riqueza. Nós queremos o nosso espaço rural e
florestal cuidado. Queremos que tenha pessoas para não ser um matagal, mas
temos de lhes dar condições. É um problema transversal a muitos governos."
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