Falhas são conhecidas mas tarda a
solução – Há 13 anos consecutivos que a batalha contra os incêndios e a defesa
da floresta esbarram na falta de articulação de vários planos de acção,
delineados uns atrás dos outros. Para agravar o cenário, com a chegada de cada
Governo um novo ritmo legislativo é imposto às estratégias que estão
delineadas, perante a falta de coordenação entre os vários ministérios que têm
de actuar no terreno. Ontem, a ministra da Administração Interna, Constança
Urbano de Sousa, revelou que o Executivo avançará “com uma simplificação
legislativa” logo após os actuais acontecimentos.
Segundo o relatório parlamentar,
elaborado na sequência da morte de oito bombeiros nos fogos de 2013, após a
reforma estrutural do sector florestal, em 2003, os constrangimentos no combate
aos incêndios têm-se mantido devido à falta de articulação dos ministérios da
Administração Interna, Defesa, Agricultura e Justiça. Ainda que, em 2006, tenha
sido criada a Autoridade Nacional para os Incêndios Florestais, com o objectivo
de colmatar tal falha, os problemas mantêm-se.
A maioria da legislação surgiu
após os piores anos – 2003, 2005 e 2013. Mas, a cada mudança em São Bento,
ficaram por publicar os diplomas necessários para que as reformas prosseguissem
e os planos de acção deixaram de ser monitorizados – como o de Defesa da
Floresta contra Incêndios, do qual não há relatórios desde 2010.
“Conhecem-se os problemas e as
soluções. Mas, ao delinear estratégias, o poder político não considera
recomendações operacionais e modelos de prevenção já identificados”, disse ao
IN Duarte Caldeira, do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil.
A verdade é que não saiu do papel
a maioria das 34 recomendações do relatório de 2013, no qual participou a actual
secretária de Estado Adjunta da Administração Interna, Isabel Oneto. O reforço
dos sapadores florestais e o ajuste da lei de financiamento dos corpos de
bombeiros foram, então, algumas das propostas. O alegado autor do violento
incêndio da Madeira ficou ontem em prisão preventiva, mas já tinha sido detido
pelo mesmo tipo de crime, em 2011, e, na altura, foi logo libertado por um
juiz. Em Braga, o suspeito de atear um fogo na zona do Sameiro, também esta segunda-feira,
tinha sido condenado por um crime de incêndio florestal, no passado mês de Abril,
a uma pena suspensa. E, anteontem, voltou a ter sorte: a Polícia Judiciária
levou-o a um juiz, para aplicação de medidas de coação, e ele foi libertado.
A libertação destes dois incendiários
ilustra o sucedido à maioria dos suspeitos de fogo posto, quando detidos pela
Polícia Judiciária. Duarte Caldeira, ex-presidente da Liga dos Bombeiros
Portugueses, acusa o legislador e os tribunais de não tratarem convenientemente
os incendiários. Imputa ao primeiro uma “desvalorização penal do crime de
incêndio”, que justificaria um “agravamento das penas”, e aos tribunais “uma
grande displicência”, por sentenças e medidas de coação alegadamente leves.
Carlos Dias, coordenador de investigação criminal com larga experiência na
matéria, tem visto os seus homens deterem suspeitos que são a seguir libertados
pelos juízes, mas não deixa de colocar o desempenho destes num “nível muito
elevado”. “Tirando alguns casos, os tribunais têm estado muito atentos e
eficazes”, avalia o coordenador da Directoria do Centro da PJ. 0 presidente do
Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, também
assume a defesa das decisões tomadas nos juízos de instrução criminal: “Para haver
prisão preventiva tem de haver fortes indícios, isto é, tem de haver provas
concludentes, evidentes, que foi aquela pessoa que provocou o incêndio, ou
seja, tem de haver testemunhas, ou confissão, ou sinais inequívocos e claros de
que foi aquela pessoa”, sustentou na Rádio Renascença. Entre Janeiro de 2010 e
o dia de ontem, só cerca de 40% daqueles 352 detidos foram sujeitos a prisão
preventiva ou domiciliária, nas 48 horas seguintes às detenções, segundo os
dados fornecidos ontem ao IN por fonte oficial da PI.
No interrogatório judicial a que
o arguido é sujeito a seguir à sua detenção, cabe a um juiz ouvir a sua versão,
avaliar as provas recolhidas por polícias e magistrados do Ministério Público e
decidir sobre medidas de coação, em função do perigo, entre outros, de o
suspeito continuar a presumida actividade criminosa. Nos inquéritos por
incêndio registados nestes últimos seis anos e meio, os juízes decidiram
libertar a maioria dos arguidos e sujeitá-los apenas a termo dê identidade e
residência e apresentações periódicas no posto policial mais próximo sua
residência.
A libertação do incendiário de
Braga, de 34 anos, anteontem, caiu mal entre polícias, bombeiros e populares.
Invocou-se que, tendo ele reincidido no mesmo crime quatro meses depois de ser
condenado a uma pena de prisão de um ano e meio, suspensa na sua execução, não
oferece garantias. Mesmo se obrigado pelo juiz a apresentar-se, diariamente,
num posto policial próximo da sua residência. Ontem, o suspeito do fogo
deflagrado na freguesia de São Roque, no Funchal, foi sujeito a prisão
preventiva, por decisão de um juiz fundamentada no perigo de continuação da actividade
criminosa e no alarme social. Em 2011, quando a Polícia Judiciária o deteve
pela primeira vez, teve mais sorte. Andava pelos 18 anos de idade e foi logo
libertado pelo juiz de instrução que o interrogou.
Depois dessa libertação, o
incendiário, com alegados problemas de consumo de álcool e sem profissão
conhecida, foi acusado de crime e julgado, como confirmou ontem, ao JN, o
coordenador da Polícia Judiciária do Departamento de Investigação Criminal do
Funchal, Eduardo Nunes. Mas, em plenas férias judiciais, não foi possível
apurar o resultado daquele julgamento.
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Fonte: JN (11.08.2016)
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