sábado, 28 de outubro de 2017

6470. Análise das Causas dos Incêndios Florestais: 2003-2013

Em média apenas cerca de 1,5% do total de ocorrências investigadas entre 2003 e 2013 resultaram de causa natural. O ano de 2003 destaca-se pela elevada percentagem de incêndios de causa natural, cerca de 7%, situação que foi analisada pelo Instituto de Meteorologia, relatada em documento como uma situação anómala resultante de trovoadas secas (“Os Fogos Florestais do Verão de 2003, em Portugal Continental – Condições Meteorológicas e Aplicações dos Dados da Rede de Detetores de Descargas Elétricas na Atmosfera”).
Excluindo o conjunto das investigações inconclusivas e ainda as ocorrências resultantes de reacendimentos (que criariam enviesamento dos dados por estarem individualizados apenas a partir de 2012) abordou-se apenas o universo das ocorrências investigadas com causa apurada, a referir os três grandes grupos: Intencional, Natural e Negligente. Assim, verifica-se que os comportamentos negligentes são os responsáveis pelo maior número de ocorrências de incêndios.
O número médio anual de ocorrências no período de 2003 a 2013 é de 23.068. Na análise por distrito destaca-se o Porto com o maior número de registos (Anexo III) onde a média de ocorrências entre 2003 e 2013 é de 5.522, ou seja, em média cerca de 24% das ocorrências registam-se nesse distrito.
Em média cerca de 80% das ocorrências registadas a nível nacional, entre 2003 e 2013, são fogachos (área ardida inferior a 1 hectare). Em contrapartida, apenas 0,7% são grandes incêndios (área ardida superior a 100 hectares).
É possível descriminar o universo das ocorrências investigadas por subgrupos por forma a permitir analisar com mais pormenor a atividade/comportamento/atitude que estiveram na origem do incêndio. Na categoria incendiarismo incluem-se casos imputáveis, casos inimputáveis e casos sem motivação conhecida. De entre as 3 subcategorias as situações de dolo (imputáveis) são as responsáveis por uma parte substancial dos casos de incendiarismo.
As ocorrências de incêndio resultantes de causas naturais, consequência de descargas elétricas resultantes de trovoadas, são muito pouco frequentes o que corrobora que o fator humano é o grande responsável pela problemática dos incêndios, ou seja, há possibilidade de intervir no sentido de os evitar, nomeadamente, pela aposta na sensibilização dirigida.
Os reacendimentos são responsáveis em 2012 e 2013 por 12% e 15%, respetivamente, das ocorrências investigadas.
Ao agrupar o universo das ocorrências investigadas e apuradas (excluindo os reacendimentos) pelo primeiro nível de categoria das causas, resulta que o incendiarismo e o “uso do fogo” são as categorias responsáveis pela maior percentagem de ocorrências de incêndios. Relativamente ao “uso do fogo” (onde se enquadram, nomeadamente, as queimas, queimadas, fogueiras, cigarros e o lançamento de foguetes) verifica-se que a partir de 2007, inclusive, houve um aumento significativo na expressão desta causa, acompanhado da diminuição das causas acidentais. Numa análise mais pormenorizada observa-se que a causa “uso do fogo” aumentou em média 32,3% (2003-2006) para 51,6% (2007-2013). Inversamente, as causas acidentais diminuíram de 15,3% para 6,3%. Na categoria do uso do fogo as queimadas para renovação de pastagem são responsáveis, em média, por quase 80% dos incêndios.
A distribuição do número de ocorrências com origem no uso do fogo – queimadas, desde 2003, ressalta a elevada concentração de incêndios resultantes da prática de queimadas para a renovação de pastagens. A limpeza de solo florestal, agrícola e a queimada de borralheiras, onde se integram as típicas queimas, são, de entre os outros usos do fogo, aquelas que se destacam logo após as queimadas para renovação de pastagens. Em média cerca de 51% das ocorrências registadas anualmente, no período 2003-2013, resultam da realização de queimadas para renovação de pastagens.
No ano de 2011 quase 33% da área ardida nacional teve como causa associada o uso do fogo – queimadas, dos quais quase 94% em resultado da prática de uso do fogo para renovação de pastagens. Nesse ano o mês de outubro, muitas vezes aproveitado para a realização desta prática ancestral, foi completamente atípico, com tempo quente e seco, concentrando 40% das ocorrências resultantes de queimadas.
Os incêndios provocam danos significativos, ambientais e socioeconómicos nos espaços florestais afetados. É            possível relacionar os impactos provocados, em termos de área ardida, com o tipo de causa. Excetuando os incêndios provocados por causas naturais (aos quais estão associadas áreas ardidas mais extensas, em média 86ha/ocorrência) as causas acidentais associadas ao uso de maquinaria são, de entre as causas de responsabilidade humana, as que provocam maiores danos em termos de área ardida (em média 51ha/ocorrência).
São evidentes os elevados danos associados às causas acidentais, embora sejam causas com pouca expressão em termos de número de ocorrências. Em contrapartida, ao uso do fogo para realização de fogueiras, de queimas de lixo e de queimadas, apesar de muito frequentes, não estão associados grandes impactos em termos de área ardida (em média 2ha/ocorrência, 8ha/ocorrência e 9ha/ocorrência, respetivamente).
As condições meteorológicas têm uma influência considerável no comportamento e caraterísticas dos incêndios florestais. Analisando a frequência das causas investigadas em função do risco de incêndio, através do índice meteorológico de risco de incêndio do sistema canadiano FWI - Fire Weather Index, é possível associar a frequência das ocorrências acidentais a dias de risco de incêndio considerável. A maior expressão encontra-se associada às ignições resultantes do uso de maquinaria e às faíscas e faúlhas emitidas pelos transportes e/ou pelas comunicações (linhas elétricas, caminhos de ferro, tubos de escape, etc). Em contrapartida as ignições resultantes de conflitos relacionados com o uso do solo e as resultantes do uso do fogo para realização de queimadas ocorrem frequentemente em dias de FWI mais baixo (na ordem de 21), embora as segundas com muito maior frequência.
As severas consequências ecológicas e socioeconómicas resultantes dos incêndios florestais, maioritariamente provocados por causas de natureza antrópica, torna premente a definição de estratégias dirigidas para a redução do número de ocorrências. O conhecimento das causas dos incêndios é fulcral para estabelecer os domínios específicos onde se deve intervir no âmbito da prevenção, incluindo a sensibilização, a fiscalização e a responsabilização.
É possível intervir na alteração de comportamentos e na instrução dos cidadãos para reduzir as causas de responsabilidade humana. As ações de sensibilização enquadram-se como uma necessidade transversal em diversas tipologias de causas, com prioridade para o uso de maquinaria. No entanto, há lacunas também no âmbito da formação, nomeadamente, das técnicas de execução de rescaldo e da investigação das causas. Também no âmbito da legislação há ações e responsabilizações que seriam importantes reconsiderar, como sendo, o licenciamento para lançamento de foguetes e a responsabilização no âmbito das redes de comunicação e transportes.
É crucial que as ações a implementar neste âmbito sejam avaliadas, definidas e ajustadas localmente. A distribuição das causas apuradas por distrito permite, por exemplo, destacar os distritos de Braga, Santarém e Viana do Castelo, com as percentagens mais elevadas associadas às causas intencionais, ao contrário dos restantes distritos onde superam as percentagens associadas a comportamentos negligentes. Em qualquer um destes 3 distritos a intencionalidade está associada maioritariamente a situações imputáveis de incendiarismo, com percentagens que atingem os 96% e 98% das causas intencionais nos distritos de Viana do Castelo e Santarém respetivamente. Nestes distritos importa reforçar a busca e perceção de indivíduos enquadrados no perfil do incendiário e promover um reforço das ações de dissuasão e fiscalização.
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Fonte: ICNF

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