O presidente do Instituto
Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) disse este sábado que as condições
meteorológicas registadas durante os grandes incêndios de Junho e Outubro
"testaram até ao limite" os sistemas de protecção civil.
"Vivemos este ano condições
realmente excepcionais e isso tem de ser compreendido. Quer dizer que [essas
condições] testaram até ao limite os sistemas que temos, até de protecção
civil, [que]esticaram até ao limite", afirmou Miguel Miranda. Com base nos
valores conhecidos de temperaturas atingidas e distâncias de projecções de
material, "existe a sensação que este verão vimos as portas do
inferno", salientou.
Em entrevista à agência Lusa, o
responsável pelo IPMA realçou que "os sistemas começaram a mostrar que não
eram capazes de ir mais além" perante as condições vividas em Portugal em Junho
e Outubro, quando os incêndios provocaram mais de 100 mortos e destruíram
milhares de hectares de floresta, casas e empresas. O presidente do IPMA
defendeu a necessidade de ultrapassar a rigidez da actual forma de comunicar em
casos de catástrofes e conseguir chegar rapidamente a todos os cidadãos, mesmo
aqueles que estão mais isolados.
"O circuito de informação é
ainda muito rígido", das instituições nacionais na área da protecção civil
para as instituições locais, e para responder a essa situação o IPMA tem
principalmente desenvolvido os serviços 'online'. "Praticamente toda a
gente pode ter acesso directo aos nossos serviços de forma gratuita e simples,
sem ter de passar necessariamente pela nossa página e já há muita gente a
faze-lo", avançou. No entanto, reconheceu as dificuldades em chegar a quem
não tem acesso a estes serviços. "Não temos uma estratégia muito
compreensível para chegar a essas pessoas", admitiu. Em acontecimentos de
desenvolvimento muito rápido, como uma catástrofe, é difícil gerir a situação
e, "na verdade, ainda não temos meios muito simples de o fazer", ou
seja, de chegar a toda a população, acrescentou, apontando como exemplo o
conhecimento da localização de cada cidadão pelos consulados portugueses em
países estrangeiros.
De acordo com o especialista,
existe uma componente local, nos concelhos e freguesias, que também deverá ter
um tratamento diferenciado, o que "tem sido discutido muitas vezes",
sem ainda haver uma solução mais favorável. "Para nós é claro que a
informação tem de chegar muito depressa a quem está no terreno", insistiu.
Os cidadãos também não estão
sensibilizados para os procedimentos a ter em caso de catástrofe. Para a
necessária alteração dos comportamentos, na opinião de Miguel Miranda, "as
estruturas mais eficazes de actuação são as escolas" e deu o exemplo do
Japão, país com experiência em lidar com desastres naturais. "As
comunidades, quer sejam escolares ou não escolares, vão ter de ser colocadas no
sistema de uma forma mais activa do que são neste momento, vão ter de
compreender a informação mais depressa e saber o que fazer", disse.
No caso de Portugal, para saber o
que fazer há que "treinar na inexistência de catástrofe e isso vai um
bocadinho contra a tradição cultural nacional", realçou o presidente do
IPMA. "Somos aquele país em que, quando há um exercício de incêndio, as
pessoas esperam que o barulho acabe". Sempre houve mudanças do clima no
sentido lato do termo, quando as mudanças são lentas, os povos conseguem
adaptar-se migrando, e as práticas culturais são alteradas de forma contínua.
"O que estamos a observar
agora que é diferente é a mudança mais rápida que a sequência de gerações e a
família é apanhada numa altura em que já está numa fase avançada da vida e que
as condições ambientais que a cercam estão a ser rapidamente alteradas",
descreveu. O responsável também referiu que, com as novas condições
climatéricas, serão necessárias novas redes de transmissão de informação, de
dados, que "sejam muito resilientes aos fenómenos meteorológicos e
geofísicos extremos". "Não podemos provavelmente gerir muito
facilmente uma situação em que estamos muito dependentes da rede que arde, do
cabo de electricidade que cai e da pessoa que fica isolada e ninguém sabe onde
está", alertou. Por isso, a resiliência dos meios de transmissão de
informação "vai ser também uma das questões muito discutidas nos próximos
tempos, vai ser preciso assegurar que, mesmo na ocorrência de um incêndio de
grandes proporções, a comunicação entre as pessoas é mantida".
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Fonte: Correio da Manhã
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