terça-feira, 26 de junho de 2018

6760. Reflexão sobre acompanhamento meteorológico dos incêndios

Os últimos dias 15 e 16 de Outubro, voltaram a ficar marcados nas nossas memórias pelas piores razões. Mais vítimas inocentes a partir deste mundo cedo demais, mais uns bons milhares de hectares de Floresta ardida sem apelo nem agravo (e uma boa parte dela plantada nos tempos dos Reis), mais uma série de famílias a ficarem sem os seus bens de uma vida, e por aí fora...
Não pretendemos estar aqui a procurar responsabilidades nem falhas na prevenção e no combate às chamas, para isso hão-de haver investigações e Relatórios a minuciar esses aspectos.
Mas estes últimos meses de incêndios por todo o país, fazem-nos colocar algumas questões que achamos poderem ser pertinentes e sobre as quais temos algumas dúvidas.
Estamos a falar do acompanhamento meteorológico que é feito, ou não, durante as operações de combate ao fogo, pelas entidades responsáveis no campo, nomeadamente nos Postos de Comando da Protecção Civil e com a entidade meteorológica nacional, o IPMA.
As condições meteorológicas, como se sabe, são caracterizadas por uma enorme variabilidade das suas características ao longo do tempo, podendo, num curto espaço de horas, alterar-se significativamente, seja de forma positiva ou negativa.
Essa característica implica, em nossa opinião, a necessidade de um acompanhamento em tempo real dessas mesmas condições (vento, humidade, temperatura, …), principalmente em situações como as do combate aos fogos. Uma previsão efectuada ao início da manhã, poderá estar significativamente diferente a meio da tarde e alterar completamente a estratégia de combate a determinado fogo em particular.
Um exemplo: Pedrógão Grande – Dois ou três dias antes daquela fatídica data, as previsões já apontavam para a possibilidade de que aquele dia fosse marcado por temperaturas elevadas e, ao mesmo tempo, por grande instabilidade atmosférica que poderia propiciar o desenvolvimento de algumas células convectivas algures na zona do interior Centro. Mesmo na manhã daquele dia, as condições continuavam a apontar para essa possibilidade, no entanto, às primeiras horas da manhã era impossível saber onde se iriam desenvolver exactamente as células convectivas responsáveis por trovoada. Nesta situação, só o acompanhamento em tempo real das imagens do radar, por exemplo, permitiria saber o momento exacto em que as células convectivas se começariam a formar, bem como as zonas atingidas e as zonas para onde as mesmas se iriam deslocar.
Este acompanhamento teria toda a importância na definição das estratégias de ataque ao fogo, uma vez que permitiria ter uma boa ideia da direcção e intensidade das rajadas de vento que vinham associadas a essas mesmas células convectivas, onde estariam a cair os relâmpagos e a forma como o fogo poderia ser afectado por essas mesmas células.
Segundo exemplo: os dias 15 e 16 de Outubro de 2017 – As previsões meteorológicas do dia 15, apontavam para que fosse um dia muito quente e com ventos fortes, que propiciavam um dia com Risco Elevado de incêndios. Essas mesmas previsões colocavam a chegada da chuva ao final desse mesmo dia ou na madrugada do dia 16, o que aliviaria a situação das condições propícias a incêndio. No entanto, o que aconteceu foi que essa chuva ficou no mar e só entrou em terra, ajudando na situação dos fogos, já ao final do dia 16. Será que esta alteração foi tida em conta no combate aos fogos, ou será que a estratégia de combate ao fogo estava a contar com essa chuva e a informação de que a chuva não iria ocorrer não chegou a quem necessitava dessa informação?
O que é feito lá fora – Só para contextualizar um pouco com os procedimentos adoptados nos Estados Unidos, o país que é atingido todos os anos por eventos meteorológicos dos mais severos do mundo, deixamos aqui a nossa experiência de lá.
Em 2015, uma equipa da Troposfera esteve 3 semanas em pleno coração dos Estados Unidos, onde, para além de termos perseguido e registado uma série de tempestades (das mais severas no planeta), também estivemos presentes no National Weather Center dos Estados Unidos. Lá ficamos a conhecer a forma como é feita toda a previsão meteorológica e como essa informação é transmitida em tempo real (24 sobre 24 horas, 365 dias por ano) a todas as entidades responsáveis (Protecção Civil), às autoridades, aos meios de comunicação (rádios, televisões), às escolas, à própria população. A monitorização das condições é feita de modo contínuo e toda a evolução é transmitida em tempo real a todas as entidades referidas. As transmissões na rádio são interrompidas de imediato se houver a emissão de um Aviso para aquela zona, as televisões interrompem também a sua emissão para actualização da informação, a população recebe avisos via SMS se for emitido um determinado Aviso para a sua localização, etc…
As questões que colocamos – Colocados os factos atrás descritos, ficamos com algumas dúvidas sobre como esse acompanhamento é efectuado cá em Portugal. Sabemos que é feito um briefing matinal entre o IPMA e a Protecção Civil todos os dias ou pelo menos sempre que há situações meteorológicas que podem colocar a população em algum tipo de risco. Possivelmente, em situações mais significativas (como é o caso de dias com grande risco de incêndios), será efectuado um segundo briefing durante a tarde, por exemplo. Mas e durante o resto do tempo? A Protecção Civil só utiliza as previsões dadas pelo IPMA no briefing matinal ou nos dois briefings que ocorrem nesse dia? Há mais briefings? É feito algum tipo de acompanhamento em tempo real da evolução das condições meteorológicas? Se houver alteração das condições, a Protecção Civil tem conhecimento ou procura ter conhecimento? Há algum procedimento em que o IPMA informa a Protecção Civil da evolução das condições em tempo real?
Seria interessante ter uma melhor ideia de como todo este processo se desenrola. Se, de facto, houver um acompanhamento em tempo real das condições meteorológicas, com comunicações permanentes entre IPMA e Protecção Civil, então o processo estará a decorrer de acordo com o que consideramos ser o mais adequado. Se, pelo contrário, não há um acompanhamento em tempo real das condições meteorológicas existentes, consideramos que tal deveria ser revisto com alguma urgência, aproveitando desde já os sinais que o Governo deu sobre a reformulação de uma série de situações, entre as quais no que diz respeito também à forma de combate aos incêndios. Obviamente, esta questão é apenas um dos muitos elementos na engrenagem complexa que é a prevenção e o combate aos fogos e, mais uma vez, vincamos o facto de não estarmos a querer criticar nada nem ninguém nesta breve reflexão. Apenas nos parece um dos pontos importantes em toda esta problemática, sobre o qual temos algumas dúvidas e que lançamos aqui para discussão.
Estamos, também, totalmente disponíveis para também podermos contribuir com quaisquer sugestões ou ideias que possam ajudar a que no futuro, não voltemos a ter uns meses de fogos como estes últimos que passaram.

Sem comentários: