Os últimos dias 15 e 16 de
Outubro, voltaram a ficar marcados nas nossas memórias pelas piores razões.
Mais vítimas inocentes a partir deste mundo cedo demais, mais uns bons milhares
de hectares de Floresta ardida sem apelo nem agravo (e uma boa parte dela
plantada nos tempos dos Reis), mais uma série de famílias a ficarem sem os seus
bens de uma vida, e por aí fora...
Não pretendemos estar aqui a
procurar responsabilidades nem falhas na prevenção e no combate às chamas, para
isso hão-de haver investigações e Relatórios a minuciar esses aspectos.
Mas estes últimos meses de
incêndios por todo o país, fazem-nos colocar algumas questões que achamos
poderem ser pertinentes e sobre as quais temos algumas dúvidas.
Estamos a falar do acompanhamento
meteorológico que é feito, ou não, durante as operações de combate ao fogo,
pelas entidades responsáveis no campo, nomeadamente nos Postos de Comando da Protecção
Civil e com a entidade meteorológica nacional, o IPMA.
As condições meteorológicas, como
se sabe, são caracterizadas por uma enorme variabilidade das suas
características ao longo do tempo, podendo, num curto espaço de horas, alterar-se
significativamente, seja de forma positiva ou negativa.
Essa característica implica, em
nossa opinião, a necessidade de um acompanhamento em tempo real dessas mesmas
condições (vento, humidade, temperatura, …), principalmente em situações como as
do combate aos fogos. Uma previsão efectuada ao início da manhã, poderá estar
significativamente diferente a meio da tarde e alterar completamente a
estratégia de combate a determinado fogo em particular.
Um exemplo: Pedrógão
Grande – Dois ou três dias antes daquela fatídica data, as previsões já
apontavam para a possibilidade de que aquele dia fosse marcado por temperaturas
elevadas e, ao mesmo tempo, por grande instabilidade atmosférica que poderia
propiciar o desenvolvimento de algumas células convectivas algures na zona do
interior Centro. Mesmo na manhã daquele dia, as condições continuavam a apontar
para essa possibilidade, no entanto, às primeiras horas da manhã era impossível
saber onde se iriam desenvolver exactamente as células convectivas responsáveis
por trovoada. Nesta situação, só o acompanhamento em tempo real das imagens do
radar, por exemplo, permitiria saber o momento exacto em que as células
convectivas se começariam a formar, bem como as zonas atingidas e as zonas para
onde as mesmas se iriam deslocar.
Este acompanhamento teria toda a
importância na definição das estratégias de ataque ao fogo, uma vez que
permitiria ter uma boa ideia da direcção e intensidade das rajadas de vento que
vinham associadas a essas mesmas células convectivas, onde estariam a cair os
relâmpagos e a forma como o fogo poderia ser afectado por essas mesmas células.
Segundo exemplo:
os dias 15 e 16 de Outubro de 2017 – As previsões meteorológicas do dia
15, apontavam para que fosse um dia muito quente e com ventos fortes, que
propiciavam um dia com Risco Elevado de incêndios. Essas mesmas previsões
colocavam a chegada da chuva ao final desse mesmo dia ou na madrugada do dia
16, o que aliviaria a situação das condições propícias a incêndio. No entanto,
o que aconteceu foi que essa chuva ficou no mar e só entrou em terra, ajudando
na situação dos fogos, já ao final do dia 16. Será que esta alteração foi tida
em conta no combate aos fogos, ou será que a estratégia de combate ao fogo
estava a contar com essa chuva e a informação de que a chuva não iria ocorrer
não chegou a quem necessitava dessa informação?
O que é feito lá
fora – Só para contextualizar um pouco com os procedimentos adoptados
nos Estados Unidos, o país que é atingido todos os anos por eventos
meteorológicos dos mais severos do mundo, deixamos aqui a nossa experiência de
lá.
Em 2015, uma equipa da Troposfera
esteve 3 semanas em pleno coração dos Estados Unidos, onde, para além de termos
perseguido e registado uma série de tempestades (das mais severas no planeta),
também estivemos presentes no National Weather Center dos Estados Unidos. Lá
ficamos a conhecer a forma como é feita toda a previsão meteorológica e como
essa informação é transmitida em tempo real (24 sobre 24 horas, 365 dias por ano)
a todas as entidades responsáveis (Protecção Civil), às autoridades, aos meios
de comunicação (rádios, televisões), às escolas, à própria população. A
monitorização das condições é feita de modo contínuo e toda a evolução é
transmitida em tempo real a todas as entidades referidas. As transmissões na
rádio são interrompidas de imediato se houver a emissão de um Aviso para aquela
zona, as televisões interrompem também a sua emissão para actualização da
informação, a população recebe avisos via SMS se for emitido um determinado
Aviso para a sua localização, etc…
As questões que
colocamos – Colocados os factos atrás descritos, ficamos com algumas
dúvidas sobre como esse acompanhamento é efectuado cá em Portugal. Sabemos que
é feito um briefing matinal entre o IPMA e a Protecção Civil todos os dias ou
pelo menos sempre que há situações meteorológicas que podem colocar a população
em algum tipo de risco. Possivelmente, em situações mais significativas (como é
o caso de dias com grande risco de incêndios), será efectuado um segundo
briefing durante a tarde, por exemplo. Mas e durante o resto do tempo? A Protecção
Civil só utiliza as previsões dadas pelo IPMA no briefing matinal ou nos dois briefings
que ocorrem nesse dia? Há mais briefings? É feito algum tipo de acompanhamento
em tempo real da evolução das condições meteorológicas? Se houver alteração das
condições, a Protecção Civil tem conhecimento ou procura ter conhecimento? Há
algum procedimento em que o IPMA informa a Protecção Civil da evolução das
condições em tempo real?
Seria interessante ter uma melhor
ideia de como todo este processo se desenrola. Se, de facto, houver um
acompanhamento em tempo real das condições meteorológicas, com comunicações
permanentes entre IPMA e Protecção Civil, então o processo estará a decorrer de
acordo com o que consideramos ser o mais adequado. Se, pelo contrário, não há
um acompanhamento em tempo real das condições meteorológicas existentes,
consideramos que tal deveria ser revisto com alguma urgência, aproveitando
desde já os sinais que o Governo deu sobre a reformulação de uma série de
situações, entre as quais no que diz respeito também à forma de combate aos
incêndios. Obviamente, esta questão é apenas um dos muitos elementos na
engrenagem complexa que é a prevenção e o combate aos fogos e, mais uma vez,
vincamos o facto de não estarmos a querer criticar nada nem ninguém nesta breve
reflexão. Apenas nos parece um dos pontos importantes em toda esta
problemática, sobre o qual temos algumas dúvidas e que lançamos aqui para discussão.
Estamos, também, totalmente
disponíveis para também podermos contribuir com quaisquer sugestões ou ideias
que possam ajudar a que no futuro, não voltemos a ter uns meses de fogos como
estes últimos que passaram.
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