A estrada traça uma divisão
evidente. De um lado um terreno florestal livre de mato, com pinheiros de copas
altas e pequenos medronheiros, aveleiras e loureiros na base. Do outro, não se
vê dois metros para dentro do acacial cerrado, que já esconde o pinhal bravo.
Numa área classificada como “Paisagem Cultural” pela UNESCO, parte integrante
do Parque Natural Sintra-Cascais, está de um lado uma zona há dez anos gerida
pela Parques de Sintra; do outro, um terreno privado sem gestão contínua. E o
puzzle repete-se ao longo da serra onde este fim-de-semana arderam 485
hectares. É por isso que a câmara de Cascais vai assumir parte da
responsabilidade, limpando e reflorestando o que ardeu e, se for caso disso,
partindo mesmo para a expropriação de terrenos cujos donos não tenham
capacidades financeiras ou técnicas para os limpar.
Para já, vão ser cortadas as
árvores queimadas, deixando-as no terreno para não deixar que a chuva, que se
aproxima, levar a terra, garantiu esta terça-feira Carlos Carreiras ao PÚBLICO.
Este sábado inicia-se a reflorestação nas terras mais arenosas. Pela manhã,
começará uma acção de limpeza dos terrenos e plantação, junto ao Núcleo de
Interpretação da Duna da Cresmina, no Guincho. Serão plantadas espécies
próprias do parque natural, que a autarquia tem no seu “banco genético”
vegetal. “Não perderemos nenhum património natural dentro do nosso território”,
garante Carreiras.
O autarca assinou ainda um
despacho que proíbe a construção por um período de dez anos nos terrenos
atingidos pelo incêndio, reforçando as restrições às novas edificações
previstas no Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais. Isto
porque, já após o incêndio, a câmara detectou placas a indicar a intenção de
venda de terrenos ardidos. A autarquia admite mesmo exercer o direito de
preferência sobre vendas que possam acontecer no parque natural.
Quanto aos proprietários de
terrenos na serra, a autarquia está já a contactá-los para os informar da
estratégia de reflorestação que quer levar a cabo. O autarca admite, no
entanto, que alguns poderão não ter capacidade nem técnica, nem financeira para
o poder fazer. Nesses casos, disse Carlos Carreiras, a Câmara de Cascais admite
tomar posse administrativa, o que não retira a propriedade a ninguém, e, no
limite, partir para a expropriação de terrenos.
Este ano, a falta de gestão em
determinadas parcelas do parque natural levou as autarquias de Cascais e de
Sintra a assumir a limpeza de terrenos privados. Isto não evitou que o fogo se
tivesse propagado, mas ambos os autarcas acreditam que, sem essa intervenção, o
resultado seria muito mais gravoso. Ainda que Sintra tenha escapado ao fogo, o
autarca, Basílio Horta, diz que o município está disponível para colaborar na
reflorestação, mesmo em zonas que não pertençam ao seu território.
Este trabalho de limpeza da
floresta tem, no entanto, que ser continuado. Não se pode fazer uma vez a
gestão do combustível num determinado sítio e não voltar lá para a manter,
alerta Nuno Oliveira, director técnico para o património natural da Parques de
Sintra — Monte da Lua. “Intervenções pontuais normalmente são desastrosas. As
condições ainda ficam piores do que inicialmente estavam”, sublinha.
Especialmente quando estão em causa espécies invasoras lenhosas, como as
acácias — um dos graves problemas da Serra de Sintra.
Em 2008, os terrenos da empresa
pública que hoje gere 1173 dos 14.450 hectares do Parque Natural de
Sintra-Cascais eram semelhantes aos matagais vizinhos. A diferença de hoje é o
trabalho consolidado dos dez anos que decorreram desde então. Em que se
profissionalizou a gestão, se seguiu um plano, se investiu tempo e dinheiro,
expõe Nuno Oliveira.
O plano de gestão florestal posto
em prática em 2008 é “uma espécie de guião”. Define o que plantar, como e
quando controlar os combustíveis. Orienta as prioridades, combinando a
protecção florestal contra os incêndios com a conservação da natureza exigida
numa área classificada. Cada parcela de terreno tem, por isso, uma
calendarização própria, consoante a abundância de chuva, a disponibilidade
financeira e os ciclos de vida de espécies animais e vegetais.
A médio e longo prazo o objectivo
é que pinhais e eucaliptais — hoje áreas de produção — dêem espaço à vegetação
autóctone. “Tem que haver consciência de que a gestão das áreas florestais é um
trabalho de resistência, que não se coaduna com período de emergência nem com
soluções rápidas”, diz Nuno Oliveira, pois o retorno da floresta nunca é
imediato.
Com dois engenheiros florestais
na chefia — Nuno e Diogo Pinto —, a Parques de Sintra aloca 40 pessoas para o
trabalho na floresta. Cerca de 30 são reclusos. Para todos o trabalho é diário,
pago, formado. E não há guardas prisionais.
Fazem quase tudo manualmente:
controlo de vegetação e de invasoras lenhosas, desbastes, abate de árvores,
plantações. Para trabalhos de maior envergadura — que ocupariam as equipas
durante muito tempo — contratam prestadores de serviços.
“É preciso ter alguém com
capacidade técnica para tomar estas decisões. Não é que a floresta aqui não
arda, mas os bombeiros terão oportunidade para posicionarem meios e atacar.
Onde não se gere, o combate é impossível”, afirma o engenheiro florestal. A
articulação com os sapadores da Câmara de Sintra — responsáveis pela
silvicultura preventiva junto às estradas — e as equipas da Protecção Civil é
semanal, assegura.
Este ano a Parques de Sintra viu
aumentar em 66% a área florestal em que tem responsabilidades de gestão. O
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), num protocolo
assinado em Maio, delegou-lhe a co-gestão de 467 hectares. “E estes estão hoje
como estavam os restantes 706 há dez anos”, repara o engenheiro florestal.
E uma gestão deficiente, ou a
falta dela, tem, aliás, efeitos visíveis. As acácias já ultrapassam os dois
metros de altura num terreno privado contíguo à área gerida pelo Parque, limpo
há menos de dois anos. São espécies que crescem e se colonizam a uma velocidade
muito superior à da vegetação autóctone. Impossíveis de erradicar. “As acácias
produzem milhares de sementes todos os anos e todas germinam. Chegamos a ter
mais de duas mil sementes por metro quadrado a germinar. Se cortamos, a acácia
tem a capacidade de rebentar de toiça. Ainda rebenta mais forte. Temos que
desvitalizar o cepo.”
E nada disto se faz sem dinheiro.
Nos primeiros anos, a Parques de Sintra recorreu a apoios comunitários. Agora,
estando numa fase de manutenção, menos onerosa, o investimento é próprio.
“Capacidade de investimento, gestão profissional, plano estável, vontade de
fazer — se algum destes elementos falhar na cadeia isto não vai resultar bem”,
diz Nuno Oliveira.
Cristiana Faria Moreira e
Margarida David Cardoso
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Fonte: PÚBLICO
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