A vaga de frio que provocou mais
de duas dezenas de mortes nos Estados Unidos, devido a um vórtice polar
(ciclone localizado junto ao Pólo Norte), ou a seca seguida de inundações que
assolou a Austrália e que causou inúmeras mortes são cenários cada vez mais
prováveis num futuro ameaçado pelas alterações climáticas. Segundo os
especialistas, Portugal será um dos países mais afectados.
"O aumento da temperatura
média a norte do círculo polar Árctico é cerca do dobro do aumento da
temperatura média global. Esta amplificação no Árctico causa a fragmentação no Inverno
do vórtice polar que contém o ar frio polar. Consequentemente, formam-se dois
ou três vortices que descem para latitudes mais baixas causando eventos de
temperaturas muito baixas a sul do círculo polar Árctico. Note-se que, quando
se dá essa fragmentação, a temperatura nas regiões polares fica anormalmente
elevada. Contudo, esses vórtices, embora afectem indirectamente o tempo em
Portugal, não causam as temperaturas muito baixas que se observam no ‘midwest’
americano", explica Filipe Duarte Santos, especialista em alterações
climáticas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Ainda assim, Portugal não está a
salvo. Pelo contrário. "A região do Mediterrâneo, o Sul da Europa e
portanto a Península Ibérica e Portugal são um ‘hotspot’ das alterações
climáticas pelos impactos serem gravosos em vários sectores socioeconómicos,
tais como os recursos hídricos, a agricultura, as florestas e a saúde, entre
outros, devido à diminuição da precipitação média anual e às secas e ondas de
calor mais frequentes e intensas. Portugal, por ter em parte uma zona costeira
baixa e arenosa, também é bastante vulnerável à subida do nível médio global do
mar", afirma aquele cientista.
João Branco, presidente da Direcção
Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, há muito
que já reflectiu sobre o mapa das alterações climáticas em Portugal. As zonas
mais afectadas serão Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Alta, Beira Baixa,
Alentejo e Algarve. Os fenómenos climáticos extremos (furacões, tempestades,
etc.) podem ocorrer com mais frequência em todo o País, mas o efeito que será
mais sentido e que terá mais impacto será o aumento da frequência de secas
prolongadas. "Já podemos verificar a ocorrência de alguns fenómenos
visíveis, como o declínio e morte do montado de sobreiros e azinheiras no Sul,
e também o declínio dos soutos de castanheiros no Norte. Os grandes fogos são
também uma manifestação das alterações climáticas.
Em Portugal, muito provavelmente
haverá uma progressiva desertificação (no sentido físico - ou seja, deserto
mesmo, como o deserto do Sara) do Sul. As secas prolongadas provocarão a
ocorrência de grandes fogos incontroláveis, em alternância com períodos de
chuva em regime torrencial, o que provocará a aceleração do fenómeno da erosão
dos solos", vaticina.
As últimas ondas de calor
sentidas em Portugal são outro exemplo, para o qual alerta o meteorologista
Costa Alves: "Comparativamente com os muitos decénios anteriores, podemos
dizer que, desde 2003, a ocorrência de ondas de calor tem aumentado muito. Além
do grande aumento das áreas florestais ardidas, em quatro dos 11 anos que
decorreram entre 2003 e 2013, aconteceram ondas de calor que originaram
excedentes de mortalidade (por causas relacionadas com a exposição ao calor
extremo) superiores a mil mortos em cada um desses anos e um total de 6320
óbitos. E, sem que conheçamos as razões, não são fornecidos dados relativos aos
verões mortíferos de 2016, 2017 e 2018."
Mas há mais problemas a caminho:
"É mais que provável que, agregadas a estas alterações, apareçam novas
doenças como dengue, malária e zika. Por enquanto não se sabe ainda quanto vai
subir o nível das águas do mar, mas é certo que este problema irá trazer a
salinização de alguns solos e graves prejuízos em imóveis e infra-estruturas à
beira-mar", antevê, por seu turno, o responsável da Quercus. À escala
global, além das alterações na paisagem, as mudanças climáticas também
conduzirão a cataclismos sociais e humanos. "É actualmente o maior
problema da humanidade. Num curto prazo, irão aumentar os desertos, muitas
florestas vão desaparecer, haverá alterações na vida dos mares, subida do nível
da água do mar e danos económicos graves por todo o Mundo. Mais cedo ou mais tarde
vão surgir grandes migrações e mesmo guerras provocadas pelas alterações
climáticas. Penso que a África e a Ásia serão gravemente afectadas, pois a
estrutura social e económica dificilmente conseguirá fazer frente aos problemas
que estão a surgir com as alterações climáticas. Outra zona de grandes mudanças
será a bacia do Mediterrâneo, na qual Portugal se inclui, claro", prevê
João Branco.
Atravessar uma era de aquecimento
global não é propriamente uma novidade para o planeta Terra e para a
humanidade, conforme refere o meteorologista Manuel Costa Alves:
"Historicamente, o funcionamento da atmosfera gera fenómenos extremos. Nas
últimas décadas têm ocorrido com maior frequência e temos como assente que o
aquecimento global produzido pelo aumento da concentração de gases com efeito
atmosférico de estufa (GEE) gera efeitos em diversas escalas espaciais e
temporais." Mas são, frisa o meteorologista, efeitos com
"causalidades complexas" que necessitam de muita investigação, até
porque integram outros acontecimentos complexos: "Por exemplo, a migração
do vórtice polar do Hemisfério Norte para latitudes mais a sul é recorrente,
mas está a ocorrer com maior virulência, provavelmente como resposta às
alterações que resultaram na diminuição da superfície gelada do oceano Árctico,
consequência do aquecimento global e que, com o aumento da superfície no estado
líquido, gera ainda mais aquecimento."
Mas será que estamos num ponto de
não retorno? Para João Branco, as perspectivas não são animadoras. "A maior
parte do Mundo depende da queima de combustíveis fósseis para produzir energia
e para fazer crescer a economia. Não há sinais de os países estarem dispostos a
abdicar do crescimento económico (que é sinónimo de mais queima de combustíveis
fósseis) para salvar o clima. O facto de alguns países importantes como os EUA,
Rússia, Brasil e outros assumirem claramente que o combate às alterações
climáticas não é uma prioridade para eles não augura nada de bom para o futuro.
Outros, como a China, a Índia e alguns países europeus, dizem que vão diminuir
a queima de combustíveis fósseis, mas não para já. Na minha opinião estamos num
ponto de não retorno que trará consequências terríveis para as futuras
gerações, ou mesmo ainda para a nossa geração", diz o dirigente da
Quercus.
Manuel Costa Alves é mais brando,
mas ainda assim considera o problema muito grave. "Não estamos numa
situação de não-retorno à configuração climática mais equilibrada que tínhamos.
Mas, a continuarmos com este nível de emissões de GEE, dentro de 15 e 20 anos
atingiremos o nível crítico que corresponde ao aumento da temperatura média
global de 2 graus Célsius relativamente ao referencial do início da Revolução
Industrial. Anualmente, estamos, sempre em crescendo, a ter incrementos anuais
das emissões de GEE superiores a 2,5 ppm (concentrações limite de referência).
A redução terá de ser maior do que a indicada pelo acordo de Paris e, claro
está, terá de envolver todos os países." União, pois, precisa-se para
salvar o planeta.
Vanessa Fidalgo
Vanessa Fidalgo
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Fonte: Correio da Manhã
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