“O país, actualmente,
está mais bem preparado e a probabilidade de um acontecimento como o de
Pedrógão, ao nível de perda de vidas humanas, será menor. As pessoas estão mais
preparadas para isso relativamente a 2017, o que não quer dizer que o fogo não
se propague exactamente da mesma forma na paisagem, se as condições
meteorológicas forem semelhantes, mas a perda de vidas humanas talvez seja
inferior devido a essa melhor preparação”, afirmou Joaquim Sande Silva,
especialista em floresta e professor na Escola Superior Agrária do Instituto
Politécnico de Coimbra.
Em declarações à
agência Lusa, o perito, que integra Observatório Técnico Independente sobre
incêndios criado pela Assembleia da República, defendeu que as alterações no
terreno florestal em Portugal “são muito poucas, sobretudo face à expectativa
que se criou após a tragédia de 2017”.
Lembrando os
incêndios de 2003 e 2005, Joaquim Sande Silva explicou que o discurso após a
tragédia de 2017 “foi essencialmente o mesmo", com a promessa de que “o
país nunca mais [iria] assistir a uma coisa destas”, bem como o anúncio de uma
reforma florestal, quer na componente da prevenção, quer na componente do
combate. “Passados 14 anos após 2003, foi aquilo que se viu”, apontou o
especialista em floresta, referindo-se aos incêndios de 2017, em particular o
de Pedrógão Grande (distrito de Leiria), em 17 de Junho, que provocou 66 mortos
e mais de 250 feridos.
Na perspectiva
do especialista, a principal dificuldade na alteração do sistema florestal está
em mexer com os aspectos estruturais e com os principais intervenientes, o que
inviabiliza qualquer reforma legislativa: “Enquanto a atitude e o princípio for
esse, não vamos conseguir mudar grande coisa”. “Infelizmente, o discurso
político passa muito por ‘agora fizemos sair esta reforma, agora fizemos sair
este pacote legislativo’. Com isso, é suposto que os problemas fiquem
resolvidos e as pessoas, algumas pelo menos, ficam convencidas de que os
problemas ficam resolvidos, quando não é nada assim”, frisou Joaquim Sande
Silva, considerando que a legislação precisa de ser adequada à realidade no
terreno.
Quanto à
prevenção de incêndios na componente do combustível florestal, a legislação
está “muito longe” de assegurar condições para se mudar a paisagem florestal em
Portugal, indicou o especialista. “Quem decide até sabe exactamente quais são
as limitações, os problemas e os condicionalismos que o país tem. Agora, entre
saber e actuar vai uma distância grande, e a verdade é que os desafios face à
situação que o país tem, nomeadamente no que toca a componentes estruturais,
como o regime de propriedade e opções que se fizeram no passado em termos de
espécies a privilegiar, hoje em dia tornam este desafio de tentar mudar a
paisagem e tentar tornar o território menos susceptível ao fogo um desafio
muito difícil, extremamente difícil”, considerou.
Descartando
reformas “bastante dolorosas e bastante impopulares”, incompatíveis com o
regime democrático, inclusivamente expropriação de terrenos, o professor
defendeu “a injecção de quantidades massivas de recursos financeiros”, para
compensar os proprietários e levá-los a aderir a determinados modelos de gestão
conjunta, como as Zonas de Intervenção Florestal. “Mas esse dinheiro não
existe, portanto a sociedade não está disponível para dispensar, canalizar
estes recursos com essa finalidade”, referiu. Neste contexto, o problema
mantém-se sem solução à vista, mesmo que sejam anunciadas “soluções milagrosas
de mudar a paisagem”, como o Programa de Transformação da Paisagem, aprovado em
21 de Maio pelo Governo.
Relativamente à
limpeza de terrenos, o especialista criticou a legislação, por obrigar à
remoção do arvoredo, “aspecto que está profundamente errado e que tem levado a
grandes atentados, até ambientais, em nome da defesa da floresta contra
incêndios” – a limpeza, no seu entender, “é insustentável em termos económicos
e até mesmo em termos ecológicos”. Desvalorizando o impacto do confinamento
devido à covid-19 nos trabalhos de limpeza da floresta, Joaquim Sande Silva
sublinhou que “existe uma grande heterogeneidade no cumprimento da legislação”.
Na prática, há zonas onde se verifica “uma adesão grande” dos proprietários e
“há zonas onde praticamente não há adesão nenhuma”.
Sobre a
possibilidade de ocorrerem incêndios semelhantes ao de Pedrógão Grande, o
especialista enalteceu as lições aprendidas ao nível da Protecção Civil, com
iniciativas do Governo – inclusive o programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras –
que trilharam um “bom caminho” no sentido de proteger as populações,
estabelecendo mecanismos de alerta e de evacuação. Na impossibilidade de se
prever a época de incêndios deste ano, o perito do Observatório Técnico
Independente rejeitou relacionar maus resultados com a covid-19: “Fazer da
pandemia um bode expiatório, caso haja maus resultados nesta época de
incêndios, será um mau caminho”.
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Fonte: SAPO Notícias
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