O vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), Mohan Munasinghe, alerta que países pobres sentirão os principais impactos do aquecimento global e que as nações industrializadas devem ter mais maior responsabilidade na mitigação de gases do efeito estufa. Afirma, também, que existem boas experiências de avanço simultâneo no desenvolvimento socioeconómico e na contenção das mudanças climáticas.
Apesar de não defender o estabelecimento de metas de redução para países em desenvolvimento, o vice-presidente do IPCC aponta uma solução alternativa: a criação de um grupo intermediário, com responsabilidades mais próximas às dos países ricos. O Brasil, segundo Munasinghe, poderia ser incluído nesse grupo.
Ele concedeu entrevista à Agência Brasil durante a semana, quando esteve na capital fluminense para o primeiro encontro do painel da América Latina, organizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e pela Companhia Vale do Rio Doce.
Agência Brasil: Quais os pontos mais relevantes das conclusões do IPCC?
Mohan Munasinghe: O ponto principal é que o aquecimento global é inequívoco. O segundo, é que é muito provável que ele tenha sido causado pela acção humana, principalmente após a Revolução Industrial, nos últimos 100 anos. E a causa é o acumulo de carbono na atmosfera. O terceiro ponto é que os impactos serão sentidos com mais intensidade nos países pobres e pelos grupos mais pobres; isso é relevante para nós.
O relatório fez previsões sobre o aumento de temperatura e do nível do mar, e também apontou as soluções. Nós propusemos, por exemplo, acções de adaptação. E também de mitigação, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O Protocolo de Quioto é só um pequeno passo para essa mitigação, e nem ele mesmo foi propriamente implementado.
Os resultados do IPCC mostraram que nos últimos 30 anos as emissões aumentaram mais de 70%. Mesmo nos últimos dez anos, depois do Protocolo de Quioto, as emissões aumentaram, e isso é inaceitável. O ponto mais importante para países em desenvolvimento, como Brasil e o Sri Lanka (meu país) é que o melhor método para resolver o aquecimento global, para adaptação e mitigação, é integrar as soluções em uma estratégia de acção: é o caminho para continuar o desenvolvimento, com melhoria da vida das pessoas pobres e combate ao problema das mudanças climáticas ao mesmo tempo.
ABr: Como isso é possível?
Munasinghe: A questão é tornar esse desenvolvimento mais sustentável. Temos histórias de sucesso de adaptação, mitigação e desenvolvimento ao mesmo tempo. Temos metodologias e tecnologias para isso. Desenvolvimento e clima não devem ser opostos, são complementares.
A ideia é continuar a desenvolver, mas de forma mais sustentável, para resolver não só o problema do aquecimento, mas também a pobreza e segurança alimentar, por exemplo. O mais importante de tudo é que esses países não podem copiar ou repetir os resultados ruins dos países desenvolvidos.
A solução é que países industrializados reduzam suas emissões e países em desenvolvimento tenham outro caminho de desenvolvimento, em que as emissões não cresçam tão rápido.
ABr: É hora de estabelecer metas de redução de emissões para em desenvolvimento?
Munasinghe: A Convenção de Mudanças Climáticas [da Organização das Nações Unidas] fala em responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Comum porque eu, você e todo mundo temos o objectivo conjunto de salvar o planeta; diferenciadas porque nós temos diferentes habilidades e capacidades para isso.
O Protocolo de Quioto reconheceu esse princípio: mais de 80% dos gases de efeito estufa presentes na atmosfera hoje foram emitidos pelos países ricos. Além disso, eles têm mais recursos económicos e financeiros.
O protocolo diz: vocês, países ricos devem começar a mitigação e mostrar para o resto do mundo como isso está sendo feito. Nos países em desenvolvimento, os níveis de emissões per capita ainda são pequenos, e para crescer eles precisam aumentar essas emissões; isso é reconhecido ao não se estabelecer metas no protocolo para essas nações em desenvolvimento.
No entanto, à medida que a tecnologia vai se desenvolvendo nos países industrializados, podemos começar a adoptar algumas tecnologias de mitigação e reduzir o crescimento global das emissões e de utilização de energia. Em vez de separar países no Anexo 1 [do Protocolo de Quioto] ou fora do Anexo 1, ricos e pobres, é possível ter um grupo intermediário. Por exemplo, a Coreia, ela poderia entrar no grupo de países do Anexo 1, porque agora ela é rica; teríamos países se preparando para entrar no grupo dos países com metas.
Acredito que as negociações pós-Quioto, que vão começar agora em Bali [em Dezembro] vão tentar incluir algumas dessas ideias.
ABr: Qual seria a posição do Brasil nesse contexto?
Munasinghe: Acredito que o Brasil estaria mais próximo do grupo intermediário.
ABr: Com metas?
Munasinghe: Não necessariamente. Caberia ao governo tomar a decisão. O mais importante não é estabelecer metas para os países em desenvolvimento, mas garantir que os países ricos implementem, cumpram suas metas. É muito mais importante, porque eles já concordaram, ratificaram o protocolo, mas estão longe de cumpri-lo.
ABr: A participação do IPCC na reunião das partes (COP) não indica que o painel tem influência política sobre as nações representadas na convenção?
Munasinghe: Não fazemos recomendações. O IPCC vai apresentar resultados, como está fazendo aqui, então ficará óbvio para os formuladores de políticas o que precisa ser feito. Não temos que dizer: faça isso, faça aquilo. Não é nosso trabalho.
Mas quando eles vêem os resultados, eles sabem o que têm que fazer. E cada país tem que tomar atitudes diferentes; não conseguiríamos dar instruções a 160 países.
Agência Brasil: Qual a importância do Prémio Nobel da Paz para o trabalho do IPCC?
Mohan Munasinghe: O Nobel agrega valor ao trabalho do IPCC. Primeiro, pelo reconhecimento: há muitos cientistas de muitos países (entre eles o Brasil, que contribuiu muito para esse relatório) e esse trabalho foi reconhecido. O trabalho dos cientistas do IPCC não é remunerado, então eles trabalham vários anos para um relatório, e é óptimo, agora, ver o trabalho dos meus colegas reconhecido dessa maneira.
O segundo ponto é a credibilidade: no passado, fomos alvo de algumas críticas, dúvidas sobre aquecimento global, sobre a contribuição humana para o fenómeno etc. Agora, com o Nobel, a credibilidade foi incrivelmente elevada e, portanto, os governantes e os tomadores de decisão vão confiar mais nos resultados do IPCC.
O terceiro ponto é o futuro, a influência que teremos. O IPCC não faz recomendações, apenas tornamos os fatos conhecidos: nossos resultados têm implicações políticas, mas não recomendações políticas. O prémio mostra que a ciência é tão importante como política para o futuro da humanidade.
Portanto: reconhecimento, credibilidade e reconhecimento.
ABr: Como o IPCC vai utilizar o dinheiro do prémio?
Munasinghe: Posso lhe dar uma posição pessoal, porque o IPCC ainda não decidiu o que vai fazer; mas eu recomendo que o dinheiro seja colocado em um fundo para utilizar em capacitação e disseminação de informações sobre mudanças climáticas nos países em desenvolvimento.
O dinheiro deveria ser utilizado em um bom propósito e para promover o trabalho do IPCC, não necessariamente distribuído entre os membros; essa é minha opinião pessoal e tomara que a maioria dos meus colegas prefira essa solução.
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Fonte: Folha da Região
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