A Confederação Hidrográfica do
Guadiana (CHG), entidade que faz a gestão da bacia do rio em território espanhol,
desde meados de Março que não insere na sua página online quaisquer dados sobre
as afluências que debita para Portugal. A única informação que veicula é
semanal e refere-se apenas ao volume dos armazenamentos nas 29 barragens que
Espanha instalou na bacia do Guadiana. O PÚBLICO questionou a CHG sobre esta
prolongada ausência de informação. A explicação prestada refere apenas que
“devido a problemas técnicos o sistema automático de informação hidrológica não
se encontra em funcionamento”.
Assim, desde Março que não há
forma de se saber que volume de água entra diariamente em Portugal através do
Açude de Badajoz, já que os dados divulgados no portal do Serviço Nacional de
Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH), da Agência Portuguesa do Ambiente,
apresentam valores desvirtuados e muito inferiores aos que são publicados pela
Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA).
Um exemplo: no dia 4 de Junho, a
EDIA publicava na sua página online que a reserva de água em Alqueva era de
3864 hectómetros cúbicos e a cota encontrava-se nos 151,11 metros acima do
nível do mar. Faltavam 89 centímetros e 636 hectómetros cúbicos para o pleno
enchimento da albufeira. Já os valores publicados pelo SNIRH no mesmo dia
apontavam para um volume armazenado em Alqueva de 2518 hectómetros cúbicos, com
a cota a atingir os 143,61 metros, ou seja, menos 1982 hectómetros cúbicos e
menos cerca de 8,4 metros no nível da água.
Uma tão acentuada diferença nos
dados publicados pelas duas entidades não reflecte o que se poderia entender
como uma situação pontual ou um problema técnico momentâneo. A leitura
desvirtuada do SNIRH relativo ao armazenamento de água em Alqueva mantém-se
inalterada desde Maio de 2013.
A incoerência da informação não
acaba aqui. O registo publicado diariamente no portal da EDIA é omisso quanto
ao volume de água que chega a Alqueva vinda de Espanha. Os dados que deveriam
ser fornecidos a partir das leituras feitas do açude Monte da Vinha, instalado
no troço do Guadiana em território português, localizado a cerca de seis
quilómetros a jusante do açude de Badajoz, não estão a ser facultados pelo
SNIRH devido a problemas nos equipamentos.
Acresce ainda que para o nível da
água armazenada na albufeira de Alqueva contribuem os sistemas reversíveis das duas
centrais hidroeléctricas instaladas nesta barragem. A água que é debitada
durante o dia para a produção de energia eléctrica é recolocada durante a noite
na albufeira, através de turbinagem, não facultando informação precisa sobre as
afluências vindas diariamente de Espanha.
A sistemática disparidade que se
tem registado tanto no armazenamento como nas afluências de água a Alqueva
acontece desde que foi criada a Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento
da Convenção (CADC), no âmbito do Convénio de Albufeira assinado em 1998 para
coordenar o uso e aproveitamento dos rios transfronteiriços na Península
Ibérica.
Apesar das constantes referências
que são feitas às prevalências das “discrepâncias” sobre os volumes de água que
Espanha envia para Portugal através do rio Guadiana nas reuniões dos membros
que integram este organismo, o equívoco mantém-se. A confirmação desta situação
anómala já foi feita pelo Instituto da Água (Inag) na apreciação que efectuou
ao regime de caudais do ano hidrológico 2004/2005, em que é reconhecida “a
discrepância de volumes medidos de um lado e do outro da fronteira”. Para
superar o contencioso, é proposta “uma peritagem técnica” às estruturas de
medição utilizadas.
O Inag admitia naquele ano que as
autoridades espanholas “estão conscientes” de que a secção de controlo
portuguesa de Monte da Vinha imediatamente a jusante de Badajoz “registava
sistematicamente menor caudal” do que aquele que foi estimado pela CHG para o
açude de Badajoz.
No relatório de actividades de
2005 do CADC confirma-se a “existência de uma discrepância” na leitura dos
valores dos caudais afluentes no Guadiana e os seus membros propõem a
designação “de um técnico de cada parte para solucionar" o problema – uma
solução que poderia passar pela construção de uma nova secção de controlo dos
caudais. Contudo, na sua reunião de 31 de Março de 2009, aquele organismo é
informado de que a instalação de um novo sistema de leitura de caudais foi
“abandonada por razões ambientais”. O grupo de trabalho, entretanto criado para
superar o contencioso, acordou que deveria continuar a utilizar-se o açude de
Badajoz “como ponto de medida”, com o compromisso de “modificar o sistema” para
se ter um “método fiável” de forma a responder às necessidades de ambos os
países. Mas a ausência de resposta para o problema subsiste, agravada pela
inoperacionalidade que se verifica nos equipamentos de medição instalados no
açude do Monte da Vinha.
O presidente da EDIA, José Pedro
da Costa Salema, adiantou recentemente ao PÚBLICO que vai ser assinado um
protocolo com a Agência Portuguesa do Ambiente para esta assumir a
responsabilidade na gestão das estações hidrométricas que se encontram dentro
da área de influência de Alqueva.
Carlos Dias e Pedro Cunha
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Fonte (Texto e imagem): PÚBLICO
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