Nas vésperas da 25.ª cimeira da
ONU sobre alterações climáticas, em Madrid, os últimos dados da análise
científica Climate Action Tracker (CAT) indicam que só Marrocos e a Gâmbia
estão no caminho de cumprir as metas de evitar um aquecimento superior a 1,5 graus
Celsius, e que cinco países caminham para cumprir a meta de menos 02 graus Celsius
(Butão, Costa Rica, Etiópia, Índia e Filipinas). O CAT é produzido por duas
organizações, a Climate Analytics e o New Climate Institute, e analisa as
promessas e políticas climáticas de 32 países/regiões, cobrindo cerca de 80%
das emissões globais de gases com efeito de estufa.
O Acordo de Paris, assinado por
praticamente todos os países em 12 de Dezembro de 2015, é um plano de acção
para limitar o aquecimento global a um valor abaixo de 02 graus (em relação à
era pré-industrial), e de preferência abaixo de 1,5 graus, a partir de 2020.
Segundo o acordo, os países apresentam planos de acção para reduzir as suas
emissões de gases. Segundo o CAT, as medidas da União Europeia e de grandes
países como a Austrália, Canadá, Brasil ou México apenas limitariam o aumento
das temperaturas a três graus. E outros como a China, o maior emissor de gases,
o Japão a Indonésia ou a Argentina, com medidas muito insuficientes, limitam o
aquecimento global apenas nos quatro graus. E no fundo da tabela, numa situação
crítica, praticamente sem medidas para conter as emissões de gases,
encontram-se outros dos maiores emissores, a Federação Russa e os Estados
Unidos, mas também a Arábia Saudita, a Turquia e a Ucrânia.
O CAT tem vindo a alertar para as
“poucas mudanças” por parte dos governos, e diz que se todos os compromissos actuais
fossem alcançados a temperatura do mundo aumentaria 03 graus, o dobro do que
concordaram em Paris. O alerta para o não cumprimento tem partido de outras
vozes, como de cientistas e especialistas de vários países que produziram
recentemente o relatório “A verdade por trás das promessas climáticas”.
No documento, os autores, alguns
deles antigos responsáveis do Painel Intergovernamental da ONU para as
Alterações Climáticas (IPCC), deixam bem claro que a análise dos compromissos
para reduzir as emissões de gases entre 2020 e 2030 mostra que “75% das
promessas são parciais ou totalmente insuficientes” e que parte delas
provavelmente não serão alcançadas. Os principais emissores de gases são a
China (26,8% do total), os Estados Unidos (13,1%), a União Europeia (09%) e a
Índia (07%) e nem tudo é favorável, com os Estados Unidos a anunciarem mesmo
que vão sair do Acordo de Paris, nota-se no relatório, no qual se salienta
ainda que a Federação Russa, o quinto maior emissor, não tem um plano de corte
de emissões de gases.
E depois, refere-se ainda no
documento, de 152 promessas 126 estão parcial ou totalmente dependentes de
financiamento internacional, tecnologia e capacidade de construção. “Assim,
pelo menos 130 nações, incluindo quatro dos cinco maiores emissores do mundo,
estão muito aquém de contribuir para atender às reduções de 50% das emissões
globais necessárias em 2030 para limitar o aumento da temperatura global a 1,5º
C acima dos níveis pré-industriais”, alerta o relatório. A falta dessas medidas
levará a perdas económicas decorrentes de eventos climáticos que os autores do
relatório estimam em dois mil milhões de dólares por dia até 2030.
Sob a ameaça das alterações
climáticas e a urgência de reduzir as emissões de gases para as limitar, a
verdade é que essas emissões de gases com efeito de estufa não têm diminuído,
mas aumentado (20% na última década). Em 2017 subiram 1,7%, no ano passado 2,7%,
e este ano os valores continuam a crescer. “Sem mudanças massivas e uma
liderança activa num futuro próximo, podemos estar a viver num mundo de 1,5.C
[aumento] em cerca de uma década”, avisa-se no relatório.
Baseado unicamente nas promessas
o documento apenas considera como suficientes as feitas pela União Europeia,
colocando as do Brasil, Canadá e Austrália como parcialmente suficientes. Com
promessas insuficientes surge quase toda a África e grande parte da Ásia, os
Estados Unidos e toda a América do Sul com excepção do Brasil.
Na análise do CAT são tidos em
conta os compromissos dos países mas também outras variáveis. Marrocos, o país
melhor posicionado para responde às metas do Acordo de Paris, está a cumprir a
proposta de ter 42% de energias renováveis em 2020 e 52% em 2030 (muito pela
energia solar em Ouarzazate), apesar de planear expandir as centrais a carvão. A
Gâmbia, outros dos países ‘top’, está também a investir nas energias renováveis
e no ano passado lançou o projecto de restaurar 10.000 hectares de florestas.
Depois a Índia, apesar de ser um
grande emissor de gases como o dióxido de carbono, está a investir mais em
energias renováveis do que em combustíveis fósseis, e estaria ainda melhor
posicionada não fossem as centrais termoeléctricas.
A China, o maior emissor,
apresentou metas pouco ambiciosas, tem emissões de CO2 (dióxido de carbono) em
crescendo e continua a investir no carvão, com o mesmo entusiasmo com que
investe nos carros eléctricos. É paradoxalmente o maior consumidor de carvão e
o maior construtor de painéis solares e o CAT coloca-a no grupo de países cujas
medidas são altamente insuficientes para as metas do Acordo de Paris. Mesmo
assim melhores do que o pior grupo na classificação da página oficial do CAT.
Como a Arábia Saudita, por exemplo, que no ano passado anunciou a construção de
uma central fotovoltaica de 200 Gigawatts e a depois a cancelou ainda antes que
o ano acabasse. Ou a Turquia, que nem ratificou o Acordo de Paris. Ou os
Estados Unidos, que querem sair do Acordo em 2020.
Esta semana a organização
ecologista Greenpeace lamentou o “retrocesso” na vontade política de alguns
países em diminuir as emissões, como aconteceu nos últimos seis meses com a
China e com a Índia, segundo Juan Pablo Osornio, responsável da política
climática da Greenpeace Internacional. Dizem os responsáveis que a União
Europeia ainda é o melhor que há, mas que a promessa de reduzir as emissões em
40% até 2030 não é suficiente.
E a um mês da entrada em vigor do
Acordo de Paris, com a COP25 a começar, o cenário não é animador. As emissões
de gases com efeito de estufa atingiram novos recordes no ano passado e as
temperaturas mundiais podem subir mais do dobro do limite combinado em Paris,
segundo um relatório da ONU divulgado esta semana em Genebra. Da
responsabilidade do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, o relatório
explica que a quantidade de gases com efeito de estufa causados pelo Homem
chegou em 2018 a 55,3 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Para manter as temperaturas
abaixo de um aumento de 1,5 graus Celsius é preciso diminuir as emissões
mundiais de gases em 7,6% por ano entre 2020 e 2030, segunda a ONU, que diz
também que tal evitaria mudanças climáticas mais extremas. John Christensen,
principal autor do trabalho, disse que as emissões precisam de diminuir 55% até
2030, e que, mesmo num cenário menos ambicioso, de um aumento de temperatura
até 02 graus, os cortes de emissões anuais teriam de ser de 2,7%.
Nas contas da ONU as promessas
nacionais actuais levarão a uma subida de temperatura de 3,2 graus Celsius.
Manter o aumento abaixo dos 1,5 graus exigiria um aumento de cinco vezes nas
medidas que estão prometidas até agora. O secretário-geral das Nações Unidas,
António Guterres, disse a propósito do relatório que nunca houve um momento
mais importante para ouvir a ciência do que o actual, mas a julgar pelo
panorama actual os países não estão a ouvi-lo.
A Cimeira do Clima, COP25 no caso
da que se realiza em Espanha, é há 25 anos o fórum político mundial ao mais
alto nível para debater as alterações climáticas, as medidas para as mitigar e
enfrentar. Também conhecida como Conferência das Partes, a COP reúne-se em cada
ano num país diferente e resulta da Convenção Quadro das Nações Unidas para as
Alterações Climáticas, adoptada em 1992 e que entrou em vigor dois anos depois.
A COP25 devia realizar-se no Chile, depois de a COP24 se ter realizado na
Europa (Polónia), mas o Governo acabou por desistir da organização, devido a
revoltas sociais e situações de violência no país nos últimos meses. Espanha
aceitou organizar a cimeira, que decorre entre os dias 02 e 13 de Dezembro.
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Fonte: SAPO
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