terça-feira, 12 de agosto de 2025

Portugal ‘entregue’ às chamas: apenas 40% do plano de limpeza da floresta nacional está cumprido

Portugal cumpriu apenas 40% do Plano Nacional de Acção (PNA) para reduzir a destruição provocada pelos fogos florestais: o objectivo, revelou esta terça-feira o jornal ‘Público’, era limpar um milhão de hectares de floresta portuguesa entre 2020 e 2024. No entanto, as operações de limpeza abrangeram apenas 400 mil hectares. Segundo o PNA, que estabelece as metas e prioridades do Sistema Integrado de Gestão de Fogos Rurais, os índices de cumprimentos dos 98 objectivos traçados até 2030 atingiram, no ano passado, os 56%. No entanto, os especialistas são mais cautelosos com a avaliação.

O relatório de desempenho, segundo Miguel Freitas, ex-secretário de Estado do Governo de António Costa, “faz um bom retrato do estado da arte, mas se formos ver a concretização física, o que é fundamental, tudo fica por cumprir”. “No terreno não se sente o investimento na prevenção”, acrescentou. Também Francisco Castro Rego, académico e ex-presidente do Observatório Técnico Independente criado pela Assembleia da República para definir uma estratégia contra os fogos, indicou que o relatório da AGIF [agência que coordena e monitoriza as entidades ligadas à prevenção e ao combate dos incêndios na floresta] “é muito bem-feito”, mas “são só números”.

Apesar das promessas de sucessivos Governo, a limpeza das matas, a gestão e a valorização económica da floresta não mudaram, como se viu em Setembro de 2024: numa semana, arderam mais de cem mil hectares de floresta e morreram 16 pessoas, o que levou a AGIF a reconhecer no seu relatório um quadro de alarme para o presente e o futuro: “Os incêndios de Setembro de 2024 mostram que há dificuldades a superar e convocam a sociedade portuguesa e os seus representantes políticos para se mobilizarem no reforço do percurso já definido.”

Tiago Oliveira, presidente do conselho directivo da agência, frisou que, depois de 2023, o sentido de urgência que a classe política e, no geral, a sociedade colocavam no combate aos fogos foi esvaziado. “É essencial que o país volte a discutir o que precisa de fazer”, avisou, lembrando que faltam fazer “as coisas difíceis”. “Os políticos não querem discutir na Assembleia nós górdios” do sector. Quais? Mudanças no regime sucessório que eterniza as heranças indivisas e o abandono, o modelo de financiamento de autarquias de acordo com a sua área florestal ou os contratos-programa plurianuais com organizações de produtores florestais.

A limpeza da floresta nacional falhou em toda a linha, apesar das metas ambiciosas traçadas pelo PNA: entre 2020 e 2024, deveria ser limpo um milhão de hectares, e, no final do programa, em 2030, 2,5 milhões. Para tal, foram alocados recursos da política agrícola, do PRR e do Orçamento do Estado. A limpeza, que seria coordenada e monitorizada pela ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, contava com vários recursos e instituições: cabras sapadoras, contratos com produtores e autarquias, programas do ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas), fogo controlado, obrigações das gestoras das redes eléctricas, do gás ou a Infraestruturas de Portugal. No entanto, os números são esclarecedores: em 2024, o pastoreio feito com mais de meio milhão de animais ficou pelos 3.480 hectares; o fogo controlado nos 2.100 hectares – 94% abaixo das metas do programa. Também o ICNF ou as empresas de energia ou a Infraestruturas de Portugal estão a reduzir a sua contribuição: em 2021, quando a pressão política e social era elevada, limparam 88 mil hectares; em 2024 ficaram pelos 75 mil.

A floresta nacional está mais vulnerável, agravada pelas mudanças do clima: com o mato a acumular-se ao longo de anos nas serras, entre as árvores, os grandes incêndios continuarão a atormentar o verão. Para travar essa ameaça, Portugal precisava de limpar mais do dobro da área da floresta do que está a conseguir limpar.

Até ao final de 2024, tinham já ardido quase 338 mil hectares; este ano, com pelo menos dois meses de dificuldades pela frente, o fogo consumiu quase 50 mil hectares.

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Fonte: Executive Digest (SAPO NOTÍCIAS)

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