O Governo apressa-se a avançar com o plano nacional de barragens, ignorando a opinião pública e das organizações da sociedade civil. Já o Ministro do Ambiente dizia na Assembleia da República que agora com o plano feito e as barragens seleccionadas era para se avançar no terreno. Com isto ele queria dizer que serão irrelevantes os estudos de impacto ambiental e, obviamente, a opinião da sociedade e populações afectadas. A participação pública resume-se, como habitualmente, a nada.
São 10 as barragens incluídas no plano: 6 na bacia do rio Douro, 2 na bacia do rio Tejo e uma nas bacias dos rios Vouga e Mondego. Posteriormente foram adicionadas as do Ribeiradio e do Baixo Sabor. Destas 12 barragens, 4 são particularmente problemáticas: a do Foz Tua, a do Fridão (Amarante), a de Almourol (Abrantes) e a do Baixo Sabor.
A do Foz Tua será entregue à EDP, a qual apresentou uma proposta de cota máxima: 195 metros. De qualquer forma, independentemente da cota, desaparecerá a parte mais atractiva do vale do rio Tua e da linha ferroviária que o atravessa, considerada uma das mais belas do mundo, perdendo-se igualmente a ligação à linha do Douro e ao litoral. Além disso, serão inundadas um conjunto de vinhas inseridas na Região Demarcada do Douro, o único sustento de várias famílias.
As outras quatro barragens já sujeitas a concurso situam-se no Alto Tâmega, estando no interior de um círculo com um raio de uma dezena de quilómetros. A quinta barragem da sub-bacia do Tâmega é a do Fridão, e está a gerar polémica por ficar apenas a 12 km da cidade de Amarante: isto significa que a população ficará emparedada entre um dique, com 90 metros de água acima da cidade, e um açude, num plano mais elevado que o paredão da barragem do Torrão. Em caso de cheia rápida e da necessidade de abrir as comportas da barragem, isso colocaria em elevado risco a população de Amarante. Além disso, com a possível alteração do nível da água e das suas condições de circulação, será danificado o rico património paisagístico da cidade.
No total são seis novas barragens para a bacia do Douro, já muito intervencionada por barragens (tanto no lado português, como no espanhol) e com poucas áreas entregues aos ecossistemas naturais e biodiversidade. Estes novos projectos vão alterar definitivamente as relações entre os ecossistemas ribeirinhos, bem como entre as populações e o seu ambiente natural e paisagem, nomeadamente na continuação de actividades económicas de baixo impacto ambiental e que são essenciais para a fixação das populações. Para além disso, vão agravar a já pouca qualidade das águas do Douro.
A barragem de Almourol, situada na bacia do Tejo, vai submergir toda a zona ribeirinha de Abrantes. Isto significa que a obra de 10 milhões de euros e inaugurada há apenas 6 meses do açude insuflável, uma obra pioneira para a gestão dos caudais e que potenciou a relação das populações com o seu rio e a valorização paisagística da cidade, irá desaparecer. Inundadas serão também dezenas de habitações e centenas de hectares de terrenos agrícolas, assim como algumas estradas e estruturas de saneamento. Ficarão submersas ainda as infra-estruturas, de restauração e desportos náuticos, construídas no âmbito do programa Aquapolis e financiado pelo III Quadro Comunitário de Apoio.
Quanto ao Baixo Sabor é conhecido que é o último rio selvagem da Europa, situando-se num local classificado pela Rede Natura 2000, com habitats prioritários para a conservação.
Realmente não se percebe a ânsia do Governo em avançar com estas obras, sem aprofundar os estudos de alternativas energéticas e os processos de participação pública. Sobre o impacto das barragens o próprio Secretário de Estado do Ambiente admitiu que algumas irão ter "impactos draconianos", alegando que não é possível fazê-las sem impacto.
O seu contributo para as metas das energias renováveis até poderia ser interessante caso não tivessem estes impactos inaceitáveis para a sociedade enquanto colectivo, portanto, para o interesse público, e o aumento acelerado e ineficácia do consumo de energia fosse de facto combatido. Vivemos num país em que mais de 60% da energia consumida é desperdício, e o Plano de Eficiência Energética apresentado recentemente pelo Governo apenas prevê uma redução do consumo em 10% até 2015, quando facilmente se poderia aplicar medidas de baixo custo para reduzir significativamente este desperdício, na ordem dos 40% (de acordo com o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Português).
De qualquer forma há alternativas de energias renováveis mais eficazes, com menos custos e impactos ambientais, e interessantes socialmente (pois são mais democráticas) para se atingir as metas, como seja a aposta real na microgeração e na energia solar (hoje são ainda muito tímidas perante o seu enorme potencial no país). Mas aqui, os accionistas das empresas do sector da energia, sobretudo da EDP, sentir-se-iam prejudicados no seu intento de lucro fácil e controlo monopolista do sector energético. E isso o Governo não permite, mesmo que atropele o interesse público e os direitos das populações afectadas.
Para além disso, não foram integrados os efeitos das alterações climáticas nos caudais dos rios, o que obviamente irá influenciar a capacidade de produção hidroeléctrica e a sua suposta fiabilidade: as estimativas do IV Relatório do IPCC referem uma redução na produção hidroeléctrica de 23% até 2020, 20-30% até 2050, e 50% até 2070, com o agravamento das oscilações sazonais dos caudais. Esta oscilação, que pode até ser diária (por efeito de outras barragens a montante no mesmo curso de água), são um forte argumento contra a suposta vantagem das barragens em armazenar a energia das eólicas em horas de vazio (para não falar dos elevados impactos ecológicos da reversibilidade das barragens, nem da não obrigatoriedade de armazenamento de energia caso existisse uma boa diversidade e desconcentração de renováveis complementares entre si e bem coordenadas).
De acordo com os cálculos da Quercus, o plano de barragens traria um contributo de apenas 3,3% do consumo final de energia de 2006, significando uma redução das emissões, na melhor das hipóteses, de 1% em relação a 1990. Pois acontece que o plano de barragens não entrou em linha de conta com o facto de 89% das águas armazenadas em albufeira encontrarem-se em processo de eutrofização, significando que estão a libertar gases de efeito de estufa e a tornar a água imprópria para qualquer uso. Isto derruba o argumento do contributo das barragens para o combate às alterações do clima e para a criação de reservas de água (as quais passarão, aliás, a ser controladas por privados) numa situação de irregularidade climática.
Também o argumento das barragens enquanto instrumento de controlo das cheias tem de ser avaliado com cuidado. Já em situações de cheias rápidas no país, com elevados prejuízos humanos, a existência de barragens acabou por transferir o problema para outras zonas ou mesmo agravar os efeitos devastadores das cheias. Hoje, a nível europeu, está a passar-se progressivamente da noção de «controlo» para a noção de «gestão» das cheias, apostando-se em soluções locais adequadas.
É preciso parar este engodo do Governo, recolocando os argumentos que contam e dinamizando a opinião pública para travar as barragens do nosso descontentamento.
Rita Calvário
São 10 as barragens incluídas no plano: 6 na bacia do rio Douro, 2 na bacia do rio Tejo e uma nas bacias dos rios Vouga e Mondego. Posteriormente foram adicionadas as do Ribeiradio e do Baixo Sabor. Destas 12 barragens, 4 são particularmente problemáticas: a do Foz Tua, a do Fridão (Amarante), a de Almourol (Abrantes) e a do Baixo Sabor.
A do Foz Tua será entregue à EDP, a qual apresentou uma proposta de cota máxima: 195 metros. De qualquer forma, independentemente da cota, desaparecerá a parte mais atractiva do vale do rio Tua e da linha ferroviária que o atravessa, considerada uma das mais belas do mundo, perdendo-se igualmente a ligação à linha do Douro e ao litoral. Além disso, serão inundadas um conjunto de vinhas inseridas na Região Demarcada do Douro, o único sustento de várias famílias.
As outras quatro barragens já sujeitas a concurso situam-se no Alto Tâmega, estando no interior de um círculo com um raio de uma dezena de quilómetros. A quinta barragem da sub-bacia do Tâmega é a do Fridão, e está a gerar polémica por ficar apenas a 12 km da cidade de Amarante: isto significa que a população ficará emparedada entre um dique, com 90 metros de água acima da cidade, e um açude, num plano mais elevado que o paredão da barragem do Torrão. Em caso de cheia rápida e da necessidade de abrir as comportas da barragem, isso colocaria em elevado risco a população de Amarante. Além disso, com a possível alteração do nível da água e das suas condições de circulação, será danificado o rico património paisagístico da cidade.
No total são seis novas barragens para a bacia do Douro, já muito intervencionada por barragens (tanto no lado português, como no espanhol) e com poucas áreas entregues aos ecossistemas naturais e biodiversidade. Estes novos projectos vão alterar definitivamente as relações entre os ecossistemas ribeirinhos, bem como entre as populações e o seu ambiente natural e paisagem, nomeadamente na continuação de actividades económicas de baixo impacto ambiental e que são essenciais para a fixação das populações. Para além disso, vão agravar a já pouca qualidade das águas do Douro.
A barragem de Almourol, situada na bacia do Tejo, vai submergir toda a zona ribeirinha de Abrantes. Isto significa que a obra de 10 milhões de euros e inaugurada há apenas 6 meses do açude insuflável, uma obra pioneira para a gestão dos caudais e que potenciou a relação das populações com o seu rio e a valorização paisagística da cidade, irá desaparecer. Inundadas serão também dezenas de habitações e centenas de hectares de terrenos agrícolas, assim como algumas estradas e estruturas de saneamento. Ficarão submersas ainda as infra-estruturas, de restauração e desportos náuticos, construídas no âmbito do programa Aquapolis e financiado pelo III Quadro Comunitário de Apoio.
Quanto ao Baixo Sabor é conhecido que é o último rio selvagem da Europa, situando-se num local classificado pela Rede Natura 2000, com habitats prioritários para a conservação.
Realmente não se percebe a ânsia do Governo em avançar com estas obras, sem aprofundar os estudos de alternativas energéticas e os processos de participação pública. Sobre o impacto das barragens o próprio Secretário de Estado do Ambiente admitiu que algumas irão ter "impactos draconianos", alegando que não é possível fazê-las sem impacto.
O seu contributo para as metas das energias renováveis até poderia ser interessante caso não tivessem estes impactos inaceitáveis para a sociedade enquanto colectivo, portanto, para o interesse público, e o aumento acelerado e ineficácia do consumo de energia fosse de facto combatido. Vivemos num país em que mais de 60% da energia consumida é desperdício, e o Plano de Eficiência Energética apresentado recentemente pelo Governo apenas prevê uma redução do consumo em 10% até 2015, quando facilmente se poderia aplicar medidas de baixo custo para reduzir significativamente este desperdício, na ordem dos 40% (de acordo com o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Português).
De qualquer forma há alternativas de energias renováveis mais eficazes, com menos custos e impactos ambientais, e interessantes socialmente (pois são mais democráticas) para se atingir as metas, como seja a aposta real na microgeração e na energia solar (hoje são ainda muito tímidas perante o seu enorme potencial no país). Mas aqui, os accionistas das empresas do sector da energia, sobretudo da EDP, sentir-se-iam prejudicados no seu intento de lucro fácil e controlo monopolista do sector energético. E isso o Governo não permite, mesmo que atropele o interesse público e os direitos das populações afectadas.
Para além disso, não foram integrados os efeitos das alterações climáticas nos caudais dos rios, o que obviamente irá influenciar a capacidade de produção hidroeléctrica e a sua suposta fiabilidade: as estimativas do IV Relatório do IPCC referem uma redução na produção hidroeléctrica de 23% até 2020, 20-30% até 2050, e 50% até 2070, com o agravamento das oscilações sazonais dos caudais. Esta oscilação, que pode até ser diária (por efeito de outras barragens a montante no mesmo curso de água), são um forte argumento contra a suposta vantagem das barragens em armazenar a energia das eólicas em horas de vazio (para não falar dos elevados impactos ecológicos da reversibilidade das barragens, nem da não obrigatoriedade de armazenamento de energia caso existisse uma boa diversidade e desconcentração de renováveis complementares entre si e bem coordenadas).
De acordo com os cálculos da Quercus, o plano de barragens traria um contributo de apenas 3,3% do consumo final de energia de 2006, significando uma redução das emissões, na melhor das hipóteses, de 1% em relação a 1990. Pois acontece que o plano de barragens não entrou em linha de conta com o facto de 89% das águas armazenadas em albufeira encontrarem-se em processo de eutrofização, significando que estão a libertar gases de efeito de estufa e a tornar a água imprópria para qualquer uso. Isto derruba o argumento do contributo das barragens para o combate às alterações do clima e para a criação de reservas de água (as quais passarão, aliás, a ser controladas por privados) numa situação de irregularidade climática.
Também o argumento das barragens enquanto instrumento de controlo das cheias tem de ser avaliado com cuidado. Já em situações de cheias rápidas no país, com elevados prejuízos humanos, a existência de barragens acabou por transferir o problema para outras zonas ou mesmo agravar os efeitos devastadores das cheias. Hoje, a nível europeu, está a passar-se progressivamente da noção de «controlo» para a noção de «gestão» das cheias, apostando-se em soluções locais adequadas.
É preciso parar este engodo do Governo, recolocando os argumentos que contam e dinamizando a opinião pública para travar as barragens do nosso descontentamento.
Rita Calvário
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Fonte: Esquerda.Net
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