domingo, 11 de maio de 2008

1761. Se o mundo falhar, não será por ausência de tecnologia, será por falta de políticas

O director da Iniciativa de Energia do MIT, Ernest Moniz, de ascendência açoriana, está convicto de que os EUA serão um "actor construtivo" no pós-Quioto.
PÚBLICO - As alterações climáticas são cada vez mais a discussão das emissões de CO2?
ERNEST MONIZ - Há um leque de gases com efeito de estufa que têm de ser considerados. O CO2 é o mais ligado à produção de energia. Também importante é a libertação de metano, por exemplo, na exploração de petróleo. É igualmente importante o uso do solo, sendo responsável por 20 por cento das emissões de gases com efeito de estufa. Acções para reduzir o CO2 através dos biocombustíveis podem ter um impacto negativo por causa das mudanças de uso da terra para os produzir.
Em terceiro lugar, é necessária a introdução de tecnologias da energia que tenham menos emissões de CO2. Aumentar a eficiência energética é a resposta mais importante, pelo menos no curto prazo. Por exemplo, calafetar a casa, usar lâmpadas eficientes são medidas muito básicas e cada uma delas pequena, mas que, juntas, atingem grandes resultados.
PÚBLICO - Quando a Iniciativa de Energia do MIT (MIT-EI) foi criada, o objectivo era responder às alterações climáticas. Está a cumprir o objectivo?
ERNEST MONIZ - Estamos contentes com o que fizemos nestes 16 meses, embora a ciência básica e os desenvolvimentos tecnológicos demorem tempo a ter impacto. É de esperar que algum do trabalho a começar agora tenha um grande impacto no futuro, mas não sabemos o que será, porque teremos surpresas e porque, mesmo para uma tecnologia de sucesso, serão necessários 15 anos até ter uma presença significativa no mercado. Este não é, no entanto, o único critério de sucesso para responder aos desafios das alterações climáticas.
Menciono dois em que temos feito progressos substanciais. Um deles é no desenvolvimento de capital humano. Temos um milhar de estudantes ligados à energia e ao ambiente. No final, o nosso mais importante contributo terá sido ajudar a manter o seu nível de interesse em relação a estes problemas. São eles que vão resolvê-los nos próximos anos.
Outra das nossas responsabilidades é fazer análise tecnológica avançada sobre temas importantes para os decisores políticos. No ano passado, terminámos um grande estudo sobre o carvão que está a ter muito sucesso, liderámos também em 2007 um outro estudo sobre a geotermia. Era uma área de investigação que tinha zero por cento de subsídios e o nosso relatório mudou isso.
Há alguns anos, fizemos um relatório sobre o nuclear que teve um grande impacto. Agora estamos a reexaminá-lo, no contexto da Iniciativa de Energia. Estamos a estudar também o futuro da energia solar e vamos provavelmente começar um grande estudo sobre o papel do gás natural na transição para um tempo em que as restrições ao carbono são muito severas.
PÚBLICO - Com o novo acordo com Portugal, o MIT está a fazer esse trabalho de influência?
ERNEST MONIZ - Primeiro que tudo, a indústria de energia portuguesa será um actor-chave, apesar de não fazer parte do acordo [assinado entre o Governo e o MIT para promoção de investigação avançada em áreas essenciais da energia]. Esperamos que haja muita interacção por parte dos investigadores portugueses ligados à indústria.
Um dos objectivos do programa MIT-Portugal é ajudar a reforçar a ligação entre as universidades e a indústria - o que fazemos há muito tempo. O acordo traz o programa português para o MIT-EI, o qual tem uma forte ligação com a indústria de energia global. Quando a Iniciativa começar a ser construída em Portugal, admitimos que haja diálogo entre os nossos colegas investigadores portugueses com o Governo e que este, por sua vez, possa dentro da União Europeia influenciar a sua política.
Um tema decisivo para os próximos três/quatro anos é se o mundo vai ou não avançar para um acordo que suceda ao Protocolo de Quioto. Quanto mais próximas forem as nossas parcerias, entre os EUA e a União Europeia e outros países, melhor será o diálogo. Até agora, os EUA e a Europa têm estado em posições muito diferentes.
PÚBLICO - Está a dizer que este programa pode contribuir para isso?
ERNEST MONIZ - É um dos muitos canais de comunicação. Não quero sobre ou subestimá-lo. Acreditamos que criando cada vez mais relações de base entre os EUA e os países europeus, entre os EUA e a China - estamos a desenvolver uma ligação com a China através do MIT-EI -, fundadas em ciência real e em análise objectiva e não em interesses políticos, melhor será. Mantendo a comunicação com os governos prepara-se o caminho para a discussão.
Durante a guerra fria, o papel dos cientistas foi muito importante, mesmo não nos melhores termos, na comunicação entre os governos dos EUA e da então União Soviética.
PÚBLICO - Não está a ser optimista?
ERNEST MONIZ - Sou muito optimista em relação à tecnologia. Se o mundo falhar os objectivos para combater as alterações climáticas, não acredito que seja por ausência de tecnologia; será por ausência de estruturas políticas, o que significa que precisamos de ter essas tecnologias de sucesso disponíveis a tempo no mercado e em escala. Desse ponto de vista, sou muito optimista, mas sou também muito cauteloso quanto à capacidade de haver políticas em prática a tempo.
PÚBLICO - Acredita numa mudança de posição dos EUA no pós-Quioto?
ERNEST MONIZ - Acredito que o próximo Presidente dos EUA, quem quer que seja entre os três últimos candidatos [os democratas Hillary Clinton e Barack Obama e o republicano John McCain], encorajará o país e envolvê-lo-á numa política de carbono. Acredito também que os EUA serão um participante activo nas discussões do pós-Quioto.
O sucesso do futuro acordo depende também muito da China, que pode não o subscrever, mas iniciar um processo de inclusão gradual. Muita coisa vai acontecer e penso que os EUA serão um actor construtivo no processo.
Há cerca de ano e meio, o Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) assumiu o combate às alterações climáticas como uma prioridade na sua acção, tendo fundado a Iniciativa de Energia (MIT-EI). O departamento investiga, sobretudo, tecnologias e políticas de energia, um leque que vai desde o "reexame" do nuclear ao acordo com a multinacional Chiquita.
O nuclear é, entre os novos estudos anunciados, o que promete maior impacto, tal como aconteceu com o primeiro trabalho, há alguns anos. O MIT aposta no desenvolvimento de uma nova geração tecnológica, para 2050, sem os problemas do enriquecimento de urânio e dos resíduos radioactivos. Com a multinacional das bananas, o MIT quer estimar a pegada carbónica de toda a cadeia de fornecimento que transporta a Chiquita desde a América Central até aos EUA, por camião e por barco, e construir uma ferramenta para a Internet que permita a outras empresas calcular e reduzir o consumo de energia dos seus produtos.
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