terça-feira, 12 de maio de 2009

2417. Fuligem de fogões a lenha é novo alvo na luta contra aquecimento global

"É difícil de acreditar que isto está derretendo as geleiras", disse Veerabhadran Ramanathan, um dos maiores cientistas do clima do mundo, enquanto percorria cabanas feitas de tijolo de barro, cada uma contendo um forno de barro que liberta fuligem na atmosfera. Enquanto mulheres envoltas em saris multicoloridos fabricam pão e cozinham lentilhas no começo da noite sobre o fogo alimentado de galhos e esterco, crianças tossem devido à densa fumaça que preenche as casas. Uma sujeira preta reveste o lado de dentro de tetos de palha. No nascer do dia, uma nuvem negra estica-se pela paisagem como um lençol escuro e diáfano.

Vila de Pipal Kheda, na Índia,

coberta da fumaça do fogo usado para cozinhar

(Foto: Adam Ferguson/NYT)

Em Kohlua, na Índia central, sem carros e sem electricidade, as emissões de dióxido de carbono, o principal gás detentor de calor relacionado com o aquecimento global, são quase nulas. No entanto, a fuligem – conhecida também como carbono negro – produzida por dezenas de milhares de vilas está a emergir como uma grande e antes minimizada fonte causadora do aquecimento climático global.
Apesar do dióxido de carbono ser o contribuidor número um para o aumento das temperaturas no mundo, afirmam cientistas, o carbono negro emergiu como o número 2 em importância. Estudos recentes estimam que este é responsável por 18% do aquecimento do planeta, em comparação aos 40% atribuídos ao dióxido de carbono.
Diminuir as emissões de carbono negro poderia ser uma forma relativamente barata de frear significativamente o aquecimento global – especialmente a curto prazo, sustentam especialistas em clima. Substituir fornos primitivos por versões mais modernas, capazes de emitirem muito menos fuligem, poderia se tornar uma solução temporária bastante necessária, enquanto os países lidam com a tarefa mais difícil de iniciar programas e desenvolver tecnologias com o objectivo de restringir as emissões de dióxido de carbono a partir de combustíveis fósseis.
Na verdade, reduzir o carbono negro é apenas um de uma série de reparos climáticos, relativamente rápidos e simples, usando tecnologias existentes – geralmente chamados de "fruta ao alcance da mão" – que os cientistas reafirmam a necessidade de serem colhidas imediatamente, a fim de evitar as consequências mais desastrosas já projectadas para o aquecimento global. "Está claro para qualquer pessoa que se importa com as mudanças climáticas que isto terá um enorme impacto no ambiente global", disse Ramanathan, professor de ciências climáticas do Scripps Institute of Oceanography, actualmente a desenvolver trabalhos com o Instituto de Energia e Recursos de Nova Dele num projecto para ajudar famílias pobres a adquirir novos fornos.
"Em termos de mudanças climáticas, estamos a ir rapidamente em direcção a um penhasco. Isto nos pouparia algum tempo", disse Ramanathan, que deixou a Índia há 40 anos, mas voltou ao seu país-natal por causa do projecto.
Efeito rápido - Melhor ainda, a diminuição da fuligem poderia ter um efeito bastante rápido. Ao contrário do dióxido de carbono, capaz de perdurar na atmosfera por anos, a fuligem permanece ali por algumas semanas.
Mudar para fornos que emitem pouca fuligem removeria rapidamente os efeitos de aquecimento do carbono negro. Fechar um local de produção de carvão leva anos para reduzir substancialmente as concentrações globais do gás.
Na Ásia e na África, fornos de cocção produzem grande parte do carbono, apesar também de ser emanado de motores a diesel e produtoras de carvão. Nos Estados Unidos e na Europa, as emissões de carbono negro já foram reduzidas significativamente por filtros e outras ferramentas.
Como minúsculos absorvedores de calor, as partículas de fuligem aquecem o ar e derretem o gelo ao absorver o calor do Sol quando se estabelecem nas zonas frias. Um estudo recente calculou que o carbono negro pode ser responsável por cerca da metade do aquecimento do Árctico.
Apesar das partículas tenderem a estabilizar-se com o tempo e não terem o alcance global dos gases do efeito estufa, elas deslocam-se. A fuligem originária da Índia foi encontrada nas Ilhas Maldivas e no planalto tibetano; a partir dos Estados Unidos, viaja para o Árctico. As implicações ambientais e geopolíticas das emissões de fuligem são enormes.
Estima-se que os glaciares dos Himalaias irão perder 75% do seu gelo até 2020, segundo o professor Syed Iqbal Hasnain. Estes glaciares são a fonte da maioria dos grandes rios da Ásia. Os resultados no curto prazo do derretimento glacial são inundações graves em comunidades montanhosas.
O número de inundações a partir de lagos glaciais já está a aumentar acentuadamente, disse Hasnain. Quando os glaciares encolherem, os grandes rios da Ásia vão ter seu fluxo diminuído ou secar durante parte do ano. Batalhas desesperadas por água certamente surgirão como consequência, numa região já cheia de conflitos.
Os médicos há muito tempo condenam o carbono negro devido aos seus efeitos devastadores na saúde em países pobres. A combinação de benefícios na saúde e no meio ambiente significam que a redução da fuligem oferece "um excelente retorno", disse Erika Rosenthal, experiente advogada da Earth Justice, organização baseada em Washington. "Agora, faz parte do interesse pessoal de cada um lidar com coisas como esse tipo de forno – não só porque milhares de mulheres e crianças lá longe estão a morrer cedo."


Mulher cozinha com lenha na vila de Kohlua, na Índia

(Foto: Adam Ferguson/NYT)

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Nos Estados Unidos, uma lei foi apresentada pelo Congresso, em Março, que poderia exigir da Agência de Protecção Ambiental o direccionamento de ajuda a projectos para a redução do carbono negro no exterior, incluindo a introdução de novos fornos em 20 milhões de lares. Eles custariam cerca de US$ 20 cada e usariam energia solar, ou outra mais eficiente.

A fuligem seria reduzida em mais de 90%. Os fornos solares não usam galhos nem esterco. Outros fornos novos simplesmente queimam o combustível de forma mais limpa, geralmente pulverizando o combustível primeiro e adicionando um pequeno ventilador capaz de melhorar a combustão.

É difícil imaginar que vilas rurais remotas, como Kohlua, possam ter um papel fundamental para lidar com a crise do aquecimento global. Não existem carros aqui – o jipe branco antigo do chefe do vilarejo fica estacionado, porém sem uso, na frente da sua casa, como uma peça de museu. Não existe água corrente e a energia eléctrica é esporádica, responsável por alimentar apenas algumas lâmpadas. Os 1.500 moradores daqui cultivam trigo, mostarda e batatas, e trabalham diariamente em Agra, onde fica o Taj Majal, a cerca de duas horas de ônibus.
Dois dólares por dia - Eles ganham cerca de 2 dólares por dia e, na sua maioria, nunca ouviram falar sobre aquecimento global. Porém, eles notaram períodos de seca frequentes nos últimos anos, o que muitos cientistas atribuem ao fenómeno do aquecimento. Os moradores também estão cientes de que o carbono negro é corrosivo.

Em Agra, fornos e motores a diesel são proibidos na área ao redor do Taj Majal, pois a fuligem pode causar danos à preciosa fachada. Ainda assim, substituir centenas de milhares de fornos – a fonte de calor, comida e água potável – não é uma questão simples. "Tenho certeza de que eles seriam lindos, mas teria que primeiro vê-los, experimentá-los", disse Chetram Jatrav, enquanto se agachava junto ao seu forno, fazendo chá e um pão chamado roti. Os seus três filhos tossiam.

Ela gostaria de ter um forno "que fizesse menos fumaça e usasse menos combustível", mas não pode comprar, disse ela, lançando no fogo o esterco comprado por um rupee (moeda local). Ela tinha acabado de comprar o seu primeiro rolo de massa, assim o pão poderia sair "redondinho", como os seus filhos tinham visto na escola. Igualmente importante, a chama aberta do forno dá sabor a alguns dos alimentos tradicionais.

Pressionar os moradores das vilas a fazer roti num forno solar é quase como pedir a um italiano que cozinhe risoto no micro-ondas. Em Março, o projecto dos fornos novos, disse Surya, começou "uma fase de teste" com seis fornos alternativos nas vilas, em parte para quantificar seus benefícios. Os pesquisadores já se preocupam com o facto de que os novos fornos parecem instrumentos científicos e são frágeis; um deles até quebrou quando um morador local empurrou objectos com muita força. No entanto, se o carbono negro tiver de ser administrado em grande escala, a aceitação dos novos fornos é crucial.

"Não vou chegar junto dos moradores e dizer que o dióxido de carbono está a aumentar e que em 50 anos poderemos ter enchentes", disse Ibrahim Rehman, colaborador de Ramanathan no Instituto de Energia e Recursos. "Vou falar com a mulher sobre os seus pulmões e os dos seus filhos, mas sei que isso também vai ajudar com as mudanças climáticas."

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Fonte (adaptado): G1

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