quarta-feira, 9 de março de 2011

3416. MADEIRA: A bonança tarda, um ano depois da tempestade

Na Ribeira Brava, na Madeira, parece que o tempo parou. A sensação aparece mal entramos no concelho, um dos mais afectados pelas cheias que assolaram a ilha a 20 de Fevereiro.
Passado um ano há apenas uma obra de grande dimensão à vista. A estrada da Meia Légua à Serra de Água – que permite a passagem até ao Norte – foi recuperada, mas pouco mais. As casas permanecem inabitáveis e postas a descoberto. A força da água das ribeiras trouxe pedras e entulho, partindo-as: "Não estava em casa. Quando cheguei deparei-me com este cenário. E aqui continuam as rochas e a lama", conta um residente, 32 anos, enquanto nos mostra o local onde dormia, agora abandonado.
A moradia foi construída na berma da ribeira, numa zona de risco. As chuvas arrancaram-lhe o primeiro andar da casa, que à data tinha um ano e meio: "Era nova. Trabalhei para a construir." Não foi a primeira vez que as águas da ribeira desceram em fúria levando tudo pela frente. Mas depois da intempérie não teve autorização para a recuperar. Vive há um ano na casa da irmã, em frente à sua: "No Instituto da Habitação da Madeira (IHM) [entidade responsável pelo realojamento das famílias que ficaram sem habitação na sequência do temporal] dizem-me que vou ter direito a um T1 na vila, mas ainda nem começou a ser construído", desabafa.
Os dias 20 são fatídicos. "Foi o 20 de Fevereiro, o 20 de Outubro e o 20 de Dezembro. A ribeira leva tudo à frente. E as autoridades só limpam a terra, mais nada", conta, indignado. O morador ficou na casa da mãe nos dias que se seguiram ao temporal até poder mudar-se para a da irmã, mesmo em frente à sua: "Antes era impossível. A casa estava atolada em lama." O presidente do IHM explica ao i que o instituto procederá a um "total de 251 realojamentos - 162 definitivos e 89 provisórios".
No passado dia 10 de Fevereiro, o "Diário de Notícias da Madeira" avançava alguns números. Das 220 famílias desalojadas, 54 ainda não foram realojadas.
Após o temporal os trabalhos de limpeza e de recuperação no Funchal foram, de facto, um exemplo a seguir. Porém, passado um ano, ainda há muitas famílias a viver em zonas de risco. Este morador contactou o IHM há duas semanas e garante que a resposta que recebe é sempre a mesma - terá direito a um T1 numa zona mais segura: "Já cansa, é muito tempo. Não podemos fazer nada a não ser minimizar a dor uns dos outros com palavras. Não lhes posso oferecer uma casa, nem eles a mim."
Este morador teve a sorte de ser indemnizado pelo seguro e por isso já não está a pagar uma casa onde não pode viver, mas não é esta a realidade de inúmeras famílias madeirenses, já que muitas nem têm os bens segurados. É o caso de outra pessoa, também morador na Serra de Água e que ainda não recebeu qualquer apoio: "A câmara não tem dinheiro, coitados!", diz com desapontamento evidente. A sua casa foi levada com a enxurrada: "Ficou um quarto estragado e a soleira desta porta", conta e mostra-nos os restos daquilo que parece ter sido, um dia, uma casa.
Este morador também espera um apartamento há um ano. O IHM explicou-lhe que ali não podia reconstruir: "É perigoso." Reformado, cuidava de uma horta que também desapareceu. Agora tem um pequeno terreno no alto do monte, mas só consegue lá ir quando arranja uma boleia: "A pé é mais de uma hora e a idade não ajuda." Ao contrário de muitos moradores da Madeira, já não se importa de sair do lugar onde sempre viveu: "Não tenho mesmo mais nada", deixa escapar, tendo plantado umas sementes num pedaço de terreno que escapou à intempérie. Enquanto não crescem, gasta os dias a tentar limpar a casa destruída. Até ao dia em que chegar o novo apartamento.
Maria Catarina Nunes
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