quinta-feira, 10 de março de 2011

3417. Mudanças que marcaram a humanidade podem ter sido influenciadas pelo clima

Uma investigação que mira o passado, mas pode trazer grandes lições para o presente. Assim pode ser descrito o estudo do paleoclimatólogo Ulf Büntgen publicado recentemente na revista científica Science.
O pesquisador do Instituto Federal Suíço de Pesquisas Florestais, Neve e Paisagens relacionou as modificações no clima europeu dos últimos 2,5 mil anos com fatos históricos importantes. De acordo com o pesquisador, as variações climáticas estariam entre os factores que influenciaram tanto a ascensão e o colapso do Império Romano (nos anos 27 a.C. e 476 d.C.) como o surgimento, no século XIV, da Peste Negra, que causou a morte de 25 milhões de europeus.
O curioso é que as conclusões surgiram a partir da análise de anéis de árvores — as linhas circulares que podem ser vistas quando a madeira é cortada transversalmente. Já se sabia que os anéis das árvores, em climas húmidos e quentes, crescem maiores e mais distantes entre si, e, em climas secos e frios, mais estreitos e próximos uns dos outros. Por meio das análises dessas marcas, é possível averiguar a temperatura e a quantidade de água disponível no local em que a árvore cresceu.
O que não se esperava é que as variações observadas nos sinais feitos ao longo do tempo em árvores na Europa apresentariam uma grande coincidência com períodos de prosperidade e crise. A pesquisa liderada por Büngten — que analisou anéis de 9 mil pedaços de troncos de árvore e peças de madeira na Europa Central — mostra que as oscilações de temperatura e precipitação influenciaram a produção agrícola, a propagação de doenças e o nível de conflito nas sociedades pré-industriais.
No ápice do Império Romano, em 117 d.C., por exemplo, os verões eram quentes e húmidos, o que beneficiava a produção de alimentos, consequentemente beneficiando a economia. Pouco mais de um século depois, as baixas temperaturas e o clima seco, intensificados entre 250 d.C. e 600 d.C., coincidiram tanto com o colapso do império quanto com o período de migração. Essas mudanças teriam afectado a agricultura e sido uma das causas da inflação na região.
Já na Idade Média, especialmente nas dinastias Merovíngia (481 d.C. a 751 d.C.) e Carolíngia (751 d.C. a 987 d.C.), o desenvolvimento cultural e político na Europa aconteceu paralelamente ao clima húmido e ameno. Ainda na era medieval, a peste bubônica, um dos acontecimentos mais trágicos para a população do continente, coincidiu com uma queda de temperatura no Atlântico Norte e com a abrupta desertificação da Groenlândia, possivelmente devido à fome entre a população local. “Esse também foi um período de bastante humidade, o que aumenta consideravelmente a proliferação de bactérias”, diz o especialista suíço.
Segundo o historiador João Vicente Dias, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as comunidades humanas dependem muito do meio em que vivem, mas, ao mesmo tempo, possuem a capacidade de superar as dificuldades e os obstáculos que o meio ambiente impõe. “Exemplos disso são os inuítes (esquimós que vivem na região árctica do Canadá, do Alasca e da Gronelândia), que convivem com temperaturas mínimas na extremidade norte do continente americano e os beduínos no deserto do Saara, que se adaptaram ao clima árido daquele lugar”, aponta.
Para João Vicente Dias, as sociedades não são reféns das mudanças ocorridas no habitat onde vivem. “Um período de clima propício pode ter potencializado o crescimento do Império Romano, mas não creio que foi condicional para essa expansão, que dependeu principalmente da habilidade das elites de Roma para criar soluções económicas, sociais, culturais e políticas”, exemplifica. Ele assegura que, mais importante do que o clima, é a capacidade de um grupo manter-se coeso para se preparar e resistir a adversidades.
Na opinião de Expedito Rebello, chefe da divisão de pesquisas aplicadas do Instituto Nacional de Meteorologia do Brasil (Inmet), a variabilidade climática não seria um factor essencial para causar transformações sociais. “Os fenómenos do estudo são responsáveis por secas, enchentes, inverno mais frio, mas nada que mude drasticamente a vida da população”, afirma. Ele destaca que as variações de temperatura e de quantidade de chuva são comuns ao longo do ano. Os fenómenos El Niño e La Niña, por exemplo, ocorrem a cada 12 ou 18 meses.
Embora interfiram na vida dos moradores dos locais afectados, são previsíveis, pois acontecem constantemente. “Por isso, cabe à sociedade tomar providências para se proteger, já que não dá para acabar com esses fenómenos”, opina.O autor do estudo divulgado na Science diz que sua descoberta não permite afirmar que o clima determina eventos históricos, apenas podem influenciá-los.
“Após reconstruir as variações de precipitação e temperatura de quase três milénios, o que podemos fazer é comparar esses dados e compreender a interferência desses factores sobre as sociedades antigas”, explica Büngten. Ele afirma que distinguir quais foram os impactos ambientais e quais os sociais que interferiram nas civilizações é difícil, devido à escassez de material de estudo de alta qualidade. “Nós não queremos que as pessoas pensem em ‘determinismo climático’, até porque não temos evidências substanciais para fazer isso. Se as condições de higiene naquele período (Idade Média) fossem consideravelmente melhores, é possível que a doença não tivesse se tornado uma epidemia e que milhares de vidas tivessem sido preservadas”, exemplifica.
Variações climáticas são diferentes de mudanças climáticas. As variações representam a oscilação da temperatura, da quantidade de chuva e da nebulosidade em determinado período em regiões específicas. Esse processo ocorre naturalmente e tem origens diversas, como a intensidade de raios solares sobre a superfície terrestre e o movimento da Terra em torno do Sol ou dela mesma.
Já a mudança designa a alteração do clima, de maneira constante, em grandes espaços de tempo (cerca de 20 anos). As suas causas podem ser naturais ou estar ligadas à interferência do homem sobre o meio ambiente, como a emissão de gases que ampliam o efeito estufa.
A epidemia que devastou a Europa chegou à Península Itálica pela Ásia, em 1348. A bactéria da doença, Yersinia pestis, foi transmitida aos seres humanos principalmente pela mordida de ratos e pulgas. A peste bubônica afectava os sistemas linfático e circulatório, criando inchaço por todo o corpo e levando à morte. Outra variação da epidemia entrava no corpo humano pelas vias aéreas, atacando o sistema respiratório. Essa variação era conhecida como peste pneumónica.
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