terça-feira, 29 de maio de 2012

3903. O mar estava mais quente na era medieval?

Um dos grandes argumentos dos cépticos do aquecimento global é que já passamos por períodos mais quentes recentemente. O Óptimo Climático Medieval, ou Aquecimento Medieval, seria um deles. Durou entre os anos 950 e 1250. Foi seguido por um período frio, conhecido como Pequena Era Glacial, que atingiu especialmente o Atlântico Norte.
Porém, o Aquecimento Medieval foi um fenómeno localizado na Europa. No resto do mundo, as temperaturas estavam mais baixas do que nas últimas décadas. Estima-se que as temperaturas globais entre 950 e 1100 estavam entre 0.1°C e 0.2°C abaixo da média entre 1961 e 1990, e bem abaixo dos recordes recentes registados nos últimos 20 anos.
Apesar de os momentos quentes passados não rivalizarem com o calor actual, continuam servindo de argumento para quem duvida das mudanças climáticas provocadas pelo homem. O físico Mark Boslough, do Sandia National Laboratories, foi atrás da origem de um gráfico que aparentemente mostra como a temperatura dos oceanos já foi mais quente no passado recente, principalmente no período medieval. E descobriu como os dados sofreram algumas transformações. A história está em detalhes no blog Climate Progress.
É um caso exemplar de como o debate pode gastar anos girando em torno de factos deturpados ou falsos. Acompanhe sequência evolutiva do gráfico de temperaturas do mar, segundo as pesquisas de Boslough.
Em 1996, o americano Lloyd Keigwin publicou um artigo na revista americana Science com a reconstituição abaixo da variação de temperatura no Mar de Sargaço, no meio do Atlântico Norte, a região que viu o maior aquecimento localizado no período medieval. Keigwin estimou a temperatura a partir do oxigénio preso em pedaços de corais que se formaram entre 3 000 anos atrás e o ano de 1965. Para dar melhor noção da temperatura recente, ele acrescentou no gráfico a variação de temperatura de 1965 a 1990 registada numa base meteorológica chamada Estação S. Essa temperatura recente oscila e fica em média ligeiramente acima da média histórica de 23 graus centígrados.
Em 1998, o gráfico reapareceu na versão abaixo num artigo da revista da Associação de Médicos e Cirurgiões Americanos (AAPS na sigla em inglês), com algumas alterações. Vinha com as indicações para o Óptimo Climático Medieval e para a Pequena Era Glacial que o seguiu. O tempo presente, que no gráfico acima era o ano 1954, passou da ponta esquerda para ponta direita e mudou para 2000. As medições recentes da Estação S, que mostram a temperatura actual acima da média histórica de 23 graus, sumiram. Mas a mudança mais importante é que o gráfico foi promovido. Deixou de ser classificado como média de temperaturas do Mar de Sargaço, um pedacinho do Atlântico sujeito a oscilações localizadas, para ser usado erradamente como a média de todos os oceanos do mundo.
O gráfico, agora com data trocada e abrangência adulterada, inspirou um artigo de opinião no prestigiado Wall Street Journal dizendo que “nos últimos 3000 anos houve cinco períodos distintos em que a temperatura ficou mais alta do que hoje”.
A história do gráfico continuou. Em 2007, a AAPS publicou uma nova versão dele. Dessa vez, com a temperatura mais recente, de 2006. O ponto do gráfico da AAPS sugere que a temperatura actual está um pouco abaixo da média histórica. Questionados sobre a origem da temperatura actual, os autores do artigo na AAPS informaram que extraíram a média das medições da Estação S segundo novos dados fornecidos por Keigwin. O gráfico que eles publicaram está abaixo.
Mas os dados da Estação S não convergem para o ponto azul marcado no gráfico acima. Mark Boslough fez uma análise das diversas temperaturas medidas pela Estação S entre 1950 e 2010. Cada ponto no gráfico abaixo corresponde a uma medição. A linha verde traça a média da evolução da temperatura no período. A média das temperaturas recentes está mais para 24 graus, quase um grau mais quente do que o marcado pelo gráfico da AAPS. E bem acima da média histórica.
O gráfico abaixo mostra onde estaria a temperatura de 2006 correcta em relação às oscilações do passado. Sempre lembrando que isso diz respeito ao Mar de Sargaço e não ao oceano todo.
A sequência de transformações do gráfico original desde 1996 até 2007 mostra como uma informação científica correcta pode ser distorcida para contar uma história bem diferente da original. E como informações localizadas de uma única pesquisa podem ser travestidas de dados globais comparáveis com os grandes consolidados de centenas de medições independentes que mostram o aquecimento da Terra.
PS. O clima da Terra não esquenta por igual num ritmo constante, como o forno da sua casa. Ele é um sistema complexo, cheio de interacções surpreendentes. Há dois anos, a Europa teve um inverno excepcionalmente rigoroso. Foi provocado, segundo alguns pesquisadores, por jactos de ar frio resultantes do derretimento do Árctico causado pelo aquecimento global.
Alexandre Mansur
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Fonte (texto e imagens): Blog doPlaneta

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