Enquanto se
discute sobre quem fica fora e dentro do Acordo de Paris, o mundo aquece, o
Árctico derrete e a Antárctida fica um bocadinho mais verde. Não são projecções
ou especulações, são constatações que estão em relatórios de cientistas que
continuam a medir os efeitos das alterações climáticas no planeta Terra. E
Portugal? Há muitas coisas que já mudaram à nossa volta.
Já reparou
que há sobreiros e azinheiras a morrer no Alentejo? Que as ondas de calor se
tornaram mais frequentes? Que a floresta de Portugal está a diminuir, consumida
pelos incêndios? Que a chuva já não cai como antes? Que os Invernos estão mais
curtos? Que os mosquitos da febre de dengue encontraram condições para espalhar
um surto na ilha da Madeira? Que, devagarinho, acontece uma subida do nível do
mar? São apenas alguns dos efeitos das mudanças climáticas em Portugal.
A lista de
fenómenos, mais ou menos visíveis, registados em Portugal que resultam das
alterações climática é longa. Filipe Duarte Santos, especialista em alterações
climáticas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente do
Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), destaca
a diminuição da precipitação, acompanhada de uma mudança do seu regime.
“A
diminuição traduz-se, se fizermos uma média por década a partir de 1960, em 40
milímetros por década no Sul de Portugal. Ou seja, em 56 anos, estamos a falar
de mais 200 milímetros, o que é muito significativo”, especifica o físico,
referindo-se a dados da Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla em inglês).
O problema, diz o especialista, não é exclusivo de Portugal e abarca toda a
Península Ibérica onde, segundo os mesmos dados da EEA, a precipitação anual
diminuiu até um máximo de 90 milímetros por década, desde 1960.
Infelizmente,
este mau indicador parece manter a sua tendência. “Este ano é mais um exemplo
disso. Estamos a ter uma precipitação reduzida, relativamente à média de há 60
ou 70 anos. Isto tem impactos muito significativos na agricultura e também no
montado”, avisa. Por outro lado, nota, também se percebe que o padrão da chuva
mudou e que, quando realmente chove, chove muito e durante pouco tempo. O que,
entre outros efeitos, significa muitas vezes cidades inundadas por cheias.
Nas cidades
sentem-se as cheias mas não a falta da chuva que, aliás, (quando cai) incomoda
muita gente. “As pessoas que vivem na cidade não notam a diminuição da precipitação,
abrem a torneira e têm água e de qualidade. A chuva é uma chatice”, reconhece
Filipe Duarte Santos, que acrescenta que “é muito diferente quando se é um
agricultor no interior do país”. É preciso enfrentar este problema e planear
uma resposta, sem esquecer que a solução tem de ser discutida com os nossos
vizinhos espanhóis com quem partilhamos recursos importantes para nos
adaptarmos a estes desafios, recomenda o físico.
“Por outro
lado, temos as ondas de calor”, continua Filipe Duarte Santos. Apesar de
considerar que Portugal se tem adaptado bem a este fenómeno, com um programa de
alerta dirigido à população, chamado Ícaro e que é da responsabilidade da
Direcção-Geral da Saúde, o físico lembra que as ondas de calor são hoje mais
frequentes. E há mais: “Também temos a questão dos fogos florestais. Com
temperaturas mais altas e menor precipitação, o risco de incêndio florestal
aumenta. Portugal é o único país do Sul da Europa em que a área florestal está
a diminuir, por causa dos incêndios”, assinala.
A
privilegiada localização deste cantinho da Europa à beira-mar também tem
desvantagens. “Há ainda a subida do nível do mar”, acrescenta Filipe Duarte
Santos, que confirma que as projecções mais extremas apontam para uma subida
média de um metro em 2100.
O
investigador também foi o coordenador geral do ClimAdaPT.Local, um projecto
para capacitar os municípios para as adaptações às alterações climáticas e
ensiná-los a definir estratégias de adaptação. A verdade é que, para já, as
mudanças do clima não afectam muito o dia-a-dia da maioria da população
portuguesa. “Os problemas nos países desenvolvidos são mais facilmente
resolvidos porque temos situações económicas mais favoráveis. Mas se pensar no
Sahel, em África, no Mali, na República Centro Africana, na Nigéria, na
Etiópia, na Somália, o que se está a passar é dramático! Eles também estão a
ter secas mais frequentes mas não têm condições para se adaptar, se a
agricultura falha as pessoas têm fome.”
Os problemas
em África não parecem ter uma voz mediática mas há um “grito” que se ouve desde
o Árctico, que nos últimos anos registou temperaturas invulgarmente elevadas e
uma perda de gelo marítimo recorde. “O Árctico e a Antárctica, mas sobretudo o
Árctico, são uma espécie de altifalante das alterações climáticas. É uma coisa
completamente evidente e é por isso que os senhores decisores políticos vão
visitar o Árctico para verem com os seus olhos que realmente há qualquer coisa
que está a mudar profundamente no nosso planeta.”
Se fosse
possível viajar no tempo e espreitar o futuro de Portugal em 2100, numa viagem
maldita em que tudo corresse mal, veríamos um país sem montado, sem sobreiros e
azinheiras. É apenas um exemplo. “Se não se cumprir o Acordo de Paris, o futuro
do Sul de Portugal e de Espanha apresenta uma grande tendência para a
desertificação. Se em Portugal tivermos um aumento de temperatura média global
superior a dois graus Célsius até ao fim do século, o ecossistema do montado do
Sul dificilmente resiste”, admite Filipe Duarte Santos. Por isso, conclui, a
decisão de Donald Trump retirar os EUA do Acordo de Paris é “egoísta”. “Está a
defender os interesses das grandes companhias e do lobby dos combustíveis
fósseis, mas os países mais vulneráveis – e Portugal é vulnerável no contexto
europeu mas há muitos outros países numa situação bastante mais vulnerável –,
vão sofrer com isso.”
Andrea Cunha
Freitas
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Fonte:
PÚBLICO
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