Os Estados Unidos anunciaram na última quinta-feira (2) sua retirada do Acordo de
Paris. O documento foi assinado em 2016 e, desde então, aglutina 194 países em
torno de políticas de redução de emissões de gases que causam o aquecimento
global. Por iniciativa do presidente dos EUA, Donald Trump, o país junta-se
agora à Nicarágua e à Síria — únicos países que não assinaram o
acordo.
Em parceria com o PolitiFact, site de checagem de
fatos americano que integra com Aos Fatos a International Fact-Checking Network,
checamos algumas declarações de Trump a respeito da retirada dos EUA do
acordo.
EXAGERADO: A China poderá construir centenas de novas
usinas de carvão. Nós não, mas eles sim, conforme o
acordo.
Os países signatários do Acordo de Paris estabelecem
unilateralmente quão disposto está em contribuir para a redução dos gases que
geram o efeito estufa. A partir disso, estabelece as diretrizes para alcançar
esse objetivo. Desse modo, o acordo não permite ou proíbe ações específicas,
como construir usinas de carvão. Quem define é o próprio
país.
Mesmo assim, a China tem feito esforços efetivos para
parar de construir usinas de carvão. Em janeiro, o país paralisou a construção
de 103 novas usinas de carvão. Essa ação congelou dezenas de projetos onde o
trabalho já havia começado e deixou de acrescentar 120 gigawatts de capacidade
em seu sistema energético. Entre os efeitos da redução de sua atividade
econômica e os esforços de alcançar fontes de energia menos sujas, a China
diminuiu o uso de carvão três anos seguidos.
O Climate Action Tracker, projeto de três grupos de
pesquisa que mede políticas ligadas ao clima, relatou em maio que "as emissões
de dióxido de carbono da China atingiram o auge mais de uma década antes de o
país assinar o Acordo de Paris".
A China prometeu que, até 2030, reduziria em 60% a
65%o peso do carvão na sua economia em relação aos padrões de 2005. Também
aumentaria a cota de energia de origem não-fóssil em 20%.
Ainda assim, o projeto Climate Action Tracker alerta:
os objetivos da China "não são suficientemente ambiciosos para reduzir em 2°C o
aquecimento, nem mesmo atingir o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de
Paris — a não ser que outros países façam reduções ainda mais profundas e um
esforço proporcionalmente maior que o da China".
EXAGERADO: Com crescimento de 1%, fontes de energia
renováveis podem atender a parte da demanda doméstica. Porém, com um crescimento
de 3% a 4%, que é o que eu espero, precisamos de todas as fontes de energia
disponíveis, ou o nosso país estará sob risco de racionamentos e
apagões.
Trump tem argumentado que a economia dos EUA pode
crescer entre 3% e 4% ao ano, mas essa não é a expectativa realista. Enquanto
esse nível de crescimento era comum entre 1948 e 2005, os EUA não cresceram
perto disso desde então. Recentemente, consultamos economistas que demonstravam
ceticismo com relação à retomada desse ritmo de crescimento num futuro próximo.
Isso significa que a preocupação de Trump com os efeitos do crescimento
econômico na política energética norte-americana pareçam
injustificados.
O crescimento econômico, segundo economistas, deriva
de dois fatores primordiais: crescimento populacional e melhora na
produtividade. Nenhum desses fatores, entretanto, estão tão bem posicionados a
fim de estimular um crescimento de 3% a 4%. A população em idade ativa não
cresce mais quanto antes por conta da redução da natalidade. Além disso, Trump
quer limitar uma outra maneira pela qual a população pode crescer — pela
imigração.
Paralelamente, o crescimento da produtividade está
fora do alcance dos formuladores de políticas públicas. "Você pode criar bolhas
para estimular o crescimento do PIB por alguns anos, como entre 2005 e 2008, com
a bolha do mercado imobilário. Porém, para aumentar a produtividade de forma
consistente, você precisa fazer mudanças ao longo de muitos anos", diz Chris
Lafakis, economista-sênior da consultoria Moody’s. "Também é necessário que haja
inovações tecnológicas transformadoras, o que não é algo
previsível."
EXAGERADO: A Índia poderá duplicar sua produção de carvão
até 2020. Pense nisso. A Índia pode dobrar sua produção de carvão enquanto nós
teremos que nos livrar da nossa.
A Índia de fato tem planos de duplicar sua produção de
carvão, e o Acordo de Paris não previne isso. Porém, o Acordo de Paris sequer
menciona a palavra "carvão" ou mesmo estimula seu boicote. Cada signatário
estabelece suas próprias metas e tem o compromisso de divulgar seu
progresso.
Um estudo de 2015 do Economic Times, um jornal sobre
finanças da Índia, publicou um plano da Coal India Limited, uma companhia
estatal indiana, para dobrar sua produção de carvão até 2020. A história
ressalva que, para dobrar a produção, a empresa deveria comprar mais terras e
remover áreas verdes, o que ainda não aconteceu. Coal India tem cerca de 84% da
produção de carvão na Índia. Sua decisão de dobrar a produção de carvão
significa basicamente que a própria Índia pretende duplicar sua
produção.
"O meio ambiente não é negociável e somos extremamente
cautelosos em relação a ele", disse à Reuters em 2015 Anil Swarup, um membro do
alto escalão do Ministério de Minas e Energia indiano. "[Porém] nossa
dependência em relação ao carvão irá continuar. Não há alternativa."
Mas a Índia pode mesmo dobrar sua produção de carvão
até 2020? A Convenção da ONU sobre Mudança do Clima diz que o Acordo de Paris
demanda que as partes envolvidas devem colocar seus maiores esforços nas
Contribuições Nacionalmente Determinadas, as iNDCs, que são os documentos em que
os governos registram os principais compromissos e contribuições para o futuro
do acordo climático. Isso significa que todas as partes terão de informar
regularmente suas emissões e seus esforços de implementação do
acordo.
India, ao ratificar o acordo em 2 de outubro de 2016,
disse que se comprometeria a seguir um caminho de baixa emissão de carbono in
ratifying the agreement on October 2, 2016, said it would follow a path of low
carbon commitment em consonância com sua legislação nacional e sua agenda de
desenvolvimento, incluindo a erradicação da pobreza. A Índia também se
comprometeu a reduzir emissões em 33% a 35% dos níveis de 2005 até 2030. Isso
significa que o acordo permite que países que assinaram o Acordo de Paris
estabelecessem seus próprios objetivos de redução para auxiliar na redução em
2°C da temperatura global.
EXAGERADO: [O Acordo de Paris poderia resultar em] menos
empregos, menores salários, fechar fábricas e afetar negativamente a produção
econômica.
Trump citou algumas estatísticas a respeito do impacto
econômico que o acordo poderia produzir até 2040, incluindo uma queda de até US$
3 trilhões no PIB (Produto Interno Bruto), além da perda de 6,5 milhões de vagas
de emprego e uma redução de 86% na produção de carvão. É necessário encarar
esssas estatísticas com ceticismo.
Esses números têm origem em um estudo de março deste
ano desenvolvido pela Nera Economic Consulting. A consultoria estima os impactos
potenciais na economia dos EUA de marcos regulatórios hipotéticos, eventualmente
criados para alcançar as metas do Acordo de Paris. O estudo gerou uma série de
críticas de especialistas em economia e meio ambiente.
O professor da Universidade Yale, Kenneth Gillingham,
disse que o modelo da Nera tende a superestimar os custos do acordo, sobretudo
em comparação com outras fórmulas estabelecidas. A pesquisa leva em conta marcos
regulatórios hipotéticos, mas, segundo Gillingham, "é possível desenvolver
facilmente outras ações com impacto econômico menor" como parâmetro. Ainda
conforme o professor, o estudo também ignora os benefícios de reduzir os gases
que causam o efeito estufa.
Outros especialistas apontaram outras suposições
problemáticas do estudo, com, por exemplo:
• Outros países não promovem a redução de emissões de
acordo com o Acordo de Paris, levando empresas americanas a se
mudarem;
• Indústrias são estáticas e não se adaptam aos novos
marcos regulatórios;
• Não haveria aumento na geração de energia limpa em
comparação com o cenário atual.
Em outras palavras, o modelo Nera parte de premissas
rígidas que geram um resultado extremo. "O modelo Nera fornece informações
úteis, mas é necessário que seja analisado conforme o contexto e o resultado de
outros modelos", disse Gillingham.
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Fonte: Aos
Fatos
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