Nunca tinha sido registado mais
do que uma vez no mesmo ano e no mesmo país. Mas pode ser o motor que explica
como é que os incêndios de 15 de Outubro foram tão poderosos. Chama-se
pirocumulonimbo.
Os incêndios que
deflagraram entre a Pampilhosa da Serra e a Sertã a 15 de Outubro podem ter-se
propagando mais rapidamente por causa de uma tempestade semelhante àquela que
agravou os fogos de Pedrógão Grande em Junho: o pirocumulonimbo, uma nuvem de
dimensões gigantescas que pode acontecer quando há interacção de um incêndio
com a atmosfera. Mas este é um fenómeno raro, explicou ao Observador o
investigador Paulo Fernandes: nunca tinha sido registado duas vezes no mesmo
país e no mesmo ano. E pode ter servido de catalisador dos fogos na zona centro
do país.
Fenómenos como
este ocorrem se um incêndio interage com a atmosfera quando ela está muito
instável, tal como aconteceu em Pedrógão Grande. Quando a atmosfera oferece
pouca resistência à subida do ar, uma grande nuvem de desenvolvimento vertical
pode atingir mais do que 10 quilómetros de altitude e com ela arrastar enormes
quantidades de energia libertadas pelo fogo. O pirocumulonimbo foi observado em
fotografias e dados atmosféricos recolhidos em Pedrógão Grande, onde esta nuvem
atingiu os 14 quilómetros de altitude e deu origem ao downburst, os
ventos de grande intensidade que se movem de cima para baixo e depois se
espalham em todas as direcções ao chegar ao solo, ao encontrar uma frente fria.
Agora, Paulo Fernandes — perito da Comissão Técnica Independente que estudaram
os acontecimentos de Junho — diz que tudo se pode ter repetido na zona centro
do país, quatro meses depois.
Para que uma
nuvem pirocumulonimbo aconteça não basta que haja um incêndio e uma atmosfera
instável. Conforme explicou Paulo Fernandes ao Observador, é preciso uma grande
quantidade de biomassa para arder (que serve como combustível), um teor de
humidade muito baixo, ventos muito fortes e um terreno inclinado.
Todas essas
condições estavam reunidas nos locais afectados pelos incêndios a 15 de Outubro:
havia uma grande área florestal em chamas, a vegetação estava muito seca por
causa do calor, a humidade no ar rondava os 15%, os terrenos eram inclinados e
o furacão Ophelia havia criado ventos fortes que chegaram a ultrapassar os 100
km/h de velocidade.
O
pirocumulonimbo não está na origem dos incêndios de 15 de Outubro, mas pode ter
surgido em consequência deles e torná-los ainda mais colossais: quando os fogos
ficam à mercê de tempestades como estas tornam-se “menos previsíveis, com maior
capacidade de propagação e com maior probabilidade de emitir projecções” que os
expandam ainda mais, descreve Paulo Fernandes.
Além disso,
também tornam os incêndios mais turbulentos porque se alimentam dos ventos
vindos da tempestade e criam ainda mais correntes de ar. Tudo isso coincide com
os testemunhos que o investigador recolheu nas regiões afectadas pelos fogos:
por lá, a população fala de ventos muito fortes, árvores com troncos largos
partidas ao meio, persianas arrancadas das janelas e enroladas a árvores a
longas distâncias e em raios no meio dos incêndios. No entanto, são precisos
mais estudos para chegar a conclusões sobre o que aconteceu nos incêndios de há
duas semanas.
Maria Leite
Ferreira
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Fonte: Observador
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