terça-feira, 10 de janeiro de 2006

85. Arrancar gotas do céu à força

FOI NOTÍCIA À UM ANO

Cientistas da Universidade Lusófona juntaram-se à Força Aérea para fazer chover lançando químicos sobre as nuvens. A experiência realizou-se sobre Castelo Branco, Coimbra e Évora. Tudo para suavizar os efeitos do Janeiro mais seco dos últimos 100 anos
Provocar a chuva pode fazer lembrar a ideia romântica das danças índias, mas neste caso é bem real e a prová-lo estão os investigadores portugueses que pediram ajuda à Força Aérea (FA), cujo avião lançou ontem alguns compostos químicos sobre nuvens para fazer chover e contrariar os efeitos da seca.
O Hércules C130 que realizou a experiência foi pilotado por João Cristo e copilotado por Azevedo Santos, majores da FA escolhidos a dedo para uma missão cujo objectivo pode parecer mais milagre do que ciência para muitas pessoas. Na verdade, a experiência coordenada por Joaquim Ortigão, professor do Instituto de Estudos Ambientais e de Meteorologia da Universidade Lusófona, não é original.
O método consiste em lançar substâncias químicas sobre as nuvens para provocar a precipitação. “Vamos inseminar as nuvens”, dizia entusiasmado Joaquim Ortigão antes da viagem.“Já fizemos um voo idêntico em Agosto do ano passado com resultados positivos”, revelou Azevedo Santos. O avião foi carregado – nos receptáculos usados em situação de combate para largar engodo para mísseis – com 180 cartuchos pirotécnicos contendo os compostos químicos destinados a fazer chover. “Os cartuchos depois são lançados sobre as nuvens e rebentam no ar, libertando as substâncias”, explicou o major.As substâncias utilizadas dependem do tipo de nuvem a ser inseminado.
No caso de serem nuvens estratiformes – de pouca expessura – é usado o cloreto de cálcio, quando são nuvens de desenvolvimento vertical ou cumuliformes, as chamadas nuvens de tempestade, é lançado o iodeto de prata. Ambas as substâncias, nas quantidades utilizadas, foram consideradas inofensivas tanto por Francisco Ferreira, dirigente da Quercus, como por Eugénio Sequeira, da Liga para a Protecção da Natureza, ambos consultados pelo CM. Os dois ambientalistas asseguraram que a experiência não trazia qualquer risco para a saúde pública ou para o ambiente.
Experiências semelhantes são realizadas regularmente noutros países e, em Portugal, já foram feitas duas, todas coordenadas por Joaquim Ortigão. “Em 1999 usámos um Antonov russo e, em Agosto do ano passado, um Hércules C130 da FA”, lembra. Este ano, falta de chuva estava a pedir uma nova dose, mas a técnica só resulta quando há nuvens, o que não tem acontecido.
MÉTODO NÃO É INFALÍVEL
“Na maior parte das nuvens como as que vamos inseminar, não há ocorrência de precipitação por si só”, explica Ortigão. “Este processo aumenta em cinco vezes a probabilidade de precipitação”, assegurou em conversa com o CM dentro da aeronave, antes da descolagem. O método não é infalível e até ao fecho desta edição, nas regiões onde decorreu o experimento, não havia ainda notícia de ter havido chuva, de acordo com os correspondentes do CM em Coimbra, Castelo Branco e Évora.
OS HOMENS QUE FAZEM CHOVER
“Vamos sobrevoar aquelas nuvens lá ao fundo, passamos por Coimbra, circundamos por ali afora até a zona de Castelo Branco e seguimos para Évora”, explicava Joaquim Ortigão, o mentor do projecto, a João Cristo, o piloto do avião. Pouco depois, os dois embarcavam no Hercules C130, juntamente com um co-piloto, um navegador, um mecânico de voo e um operador de carga, além de sete elementos do projecto. Em terra, ficou uma equipa da Universidade Lusófona que monitorizou toda a experiência.
DESVIO DE NUVENS EM PROVÍNCIA CHINESA
A ideia de ‘bombardear’ as nuvens com iodeto de prata pode fazer rir os mais cépticos. A verdade, porém, é que vários países já tentaram fabricar chuva desta maneira. A própria Organização Meteorológica Munidal levou a cabo experiências de precipitação provocada – é este o termo exacto – em países de clima seco, nomeadamente a Líbia, a Tunísia, Israel e até a Espanha. O uso de iodeto de prata parece ter resultado, em 2004, na província chinesa de Henan. À inseminação seguiu-se a tão desejada chuva. No entanto, a precipitação distribuiu-se desigualmente, o que suscitou inimizade entre as cidades de Henan. As autoridades de cidade de Zhoukou, que apenas recebeu 30 milímetros de precipitação, acusaram as de Pingdingshan, beneficiada com 100 mm, de terem “desviado as nuvens”.
Rodrigo de Matos
FONTE: Jornal CORREIO DA MANHÃ, 24 de Fevereiro de 2005

Sem comentários: