quinta-feira, 29 de julho de 2010

3068. Ataque à ciência do clima

Durante as semanas antes e depois da conferência sobre as alterações climáticas em Copenhaga, em Dezembro passado, a ciência das alterações climáticas sofreu forte ataque de críticos que afirmam que os cientistas do clima suprimiram deliberadamente provas e que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), grupo internacional de especialistas encarregado de avaliar o estado da ciência do clima, foi acusado de tendencioso.
A opinião pública mundial está desconcertada com esses ataques. Se não há acordo entre os especialistas sobre uma crise climática, por que governos gastam milhares de milhões de dólares para atacá-la?
O facto é que os críticos – que são em pequeno número, mas agressivos nos seus ataques - estão a implementar tácticas que se vêem aperfeiçoando há mais de 25 anos. Durante a sua longa campanha, têm exagerado, e muito, as divergências científicas para que cessem as acções que visam enfrentar as mudanças climáticas - e grupos de interesses especiais, como a Exxon Mobil, têm pago essa conta.
Muitos livros recentemente documentaram os truques praticados pelos que negam as mudanças no clima. Merchants of Doubt (Mercadores da dúvida), novo livro de Naomi Oreskes e Erik Conway, com lançamento previsto para meados deste ano, será um relato confiável do mau comportamento dos críticos. Os autores mostram que o mesmo grupo de trapaceiros, ocupando uma plataforma proporcionada pelos ideólogos do livre mercado na página de editoriais do Wall Street Journal, vêem tentando sistematicamente confundir o público e desacreditar os cientistas cujas ideias estão a ajudar a salvar o mundo do dano involuntário ao ambiente.
Os actuais activistas contra acções de enfrentamento às mudanças climáticas são, em muitos casos, apoiados pelos mesmos grupos de pressão, indivíduos e organizações que tomaram partido da indústria de cigarros, empenhados em desacreditar as evidências científicas entre fumar e cancro do pulmão. Mais tarde, negaram as evidências científicas de que os óxidos de enxofre resultantes da queima do carvão em centrais de produção de electricidade estavam a causar as chuvas ácidas. Então, quando se descobriu que certas substâncias químicas chamadas clorofluorcarbonetos (CFCs) eram causa de redução do ozono na atmosfera, os mesmos grupos também lançaram uma campanha nefasta para desacreditar essas evidências científicas.
Mais tarde esse grupo defendeu as gigantes do tabaco contra acusações de que o fumo passivo causa cancro e outras doenças. E então, a partir da década de 1980, esse mesmo grupo passou a combater a luta contra as alterações climáticas.
O que surpreende é que, embora esses ataques à ciência se tenha revelado errados por 30 anos, continuam a semear dúvidas. A verdade é que existem grandes interesses económicos apoiando os que negam as mudanças climáticas, sejam empresas que não querem pagar os custos adicionais da regulamentação ou ideólogos do livre mercado que se opõem a quaisquer controles governamentais.
A mais recente rodada de ataques envolve dois episódios. O primeiro foi a invasão, por hackers, de um centro de pesquisa de mudanças climáticas na Inglaterra. E-mails roubados sugerem falta de transparência na apresentação de alguns dados sobre o clima. Quaisquer que sejam os detalhes nesse caso específico, os estudos em questão representam uma ínfima parte da esmagadora evidência científica que aponta para a realidade e urgência das mudanças climáticas resultantes da acção humana.
A segunda questão foi um erro gritante sobre glaciares contido num importante relatório do IPCC. Nesse caso, é preciso compreender que o IPCC publica milhares de páginas de texto. Há, sem dúvida, erros nessas páginas. Mas os erros contidos num relatório vasto e complexo do IPCC apontam para a inevitabilidade de falhas humanas, e não para algum defeito fundamental na ciência do clima.
Quando os e-mails e o erro do IPCC foram trazidos à luz, os redactores dos editoriais do The Wall Street Journal lançaram uma campanha odiosa descrevendo a ciência do clima como embuste e conspiração, afirmando que os cientistas estavam a fabricar provas para obter financiamentos governamentais para pesquisas - uma acusação absurda, pensei, na ocasião, pois os cientistas sob ataque dedicaram suas vidas à busca da verdade, e certamente não ficaram ricos, em comparação com seus pares que actuam nos mundos financeiro e empresarial.
Mas, depois, lembrei-me que essa linha de ataque - acusações de conspiração científica com objectivo de criar negócios para cientistas - foi praticamente idêntica à utilizada pelo The Wall Street Journal e outros, no passado, quando combateram controlos sobre o tabaco, chuva ácida, destruição do ozono, fumo passivo e outros poluentes perigosos. Por outras palavras, os seus argumentos eram sistemáticos e casuísticos, inteiramente desvinculados das circunstâncias.
Estamos a testemunhar um processo previsível desfechado por ideólogos, institutos de análises e publicações de direita visando desacreditar o processo científico .Os seus argumentos vêem sendo repetidamente refutados há 30 anos, mas os seus métodos agressivos de propaganda pública conseguem causar atrasos e confusão.
Os argumentos científicos que sustentam a tese de estarem em curso mudanças climáticas resultam de uma actividade intelectual extraordinária. Grandes mentes científicas aprenderam, ao longo de muitas décadas, a ler a história da Terra para compreender como funciona o sistema climático. Esses cientistas empregaram brilhantes recursos da física, da biologia e de instrumentação (como leituras de satélites contendo características detalhadas dos sistemas da Terra), a fim de avançar a nossa compreensão.
E a mensagem é clara: a utilização de petróleo, carvão e gás em larga escala está a ameaçar os sistemas biológicos e químicos do planeta. Estamos a criar mudanças perigosas no clima da Terra e nos processos químicos nos oceanos, dando origem a tempestades, secas e outros perigos radicais que comprometerão a oferta de alimentos e a qualidade de vida no planeta.
O IPCC e os cientistas estão-nos a transmitir uma mensagem crucial. Com urgência, precisamos de transformar os nossos sistemas de energia, transporte, alimentação, industriais e de construção para reduzir o perigoso impacto humano sobre o clima. É nossa responsabilidade ouvir, compreender a mensagem, e então agir.
Jeffrey D. Sachs - Professor de Economia e Director do Instituto Terra, da Columbia University, e Assessor Especial do Secretário-Geral para o Desenvolvimento do Milénio.
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