quinta-feira, 12 de agosto de 2010

3091. INCÊNDIOS: O dia mais negro do ano

Ao início da noite, 54 grandes fogos continuavam a alastrar no País. Alguns ardiam há vários dias. Sintra voltou a entrar no mapa das chamas. Foi o dia mais negro deste Verão.
Ontem uma dezena de fogos ardiam, pelo menos, há mais de 48 horas: Tabuaço, Viseu, Gerês e Viana do Castelo, o que levou o Governo a accionar um pedido de ajuda internacional para o envio de meios aéreos. A juntar a estes incêndios deflagraram novas chamas em locais já muito fustigados, como é o caso de São Pedro do Sul, combatidos por operacionais cansados, pelos dias anteriores ou pelas longas deslocações.
O combate a esta dezena de fogos envolvia 10% do dispositivo de bombeiros de quatro regiões: Viana do Castelo, Braga, Aveiro e Viseu. Ao todo, e excluindo meios aéreos, estão no terreno mais de 800 operacionais com 208 veículos. "Há uma falta de eficácia que demonstra a necessidade de se avaliar a vertente operacional", denuncia o presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP).
O caso mais paradigmático é o incêndio em Vilarinho das Furnas, que começou sábado, o que leva Fernando Curto a apontar baterias "à falta de planeamento de um dispositivo que é caro e que ao fim de alguns dias dá sinais de perda de eficácia". A juntar-se aos fogos que lavram durante dias há "a questão da rotatividade dos elementos que estão na frente de fogo e do apoio logístico que muitas vezes não funciona", diz.
Obrigados a percorrer grandes distâncias, "em viaturas pesadas com uma média de velocidade entre os 40 a 50 quilómetros/hora, os operacionais quando chegam aos fogos estão prontinhos para ficar a descansar e não para os combater". A estes junta-se "a falta de apoio logístico e o cansaço acumulado que na hora de combater os incêndios demonstra a falta de eficácia de um dispositivo mal planeado", remata.
Às 20.00 estavam contabilizados 400 incêndios, 54 dos quais graves, que se mantinham activos ao início da noite. Fonte da Protecção Civil reconheceu ao DN que "foi um dos dias mais violentos do ano, não pela quantidade de fogos, mas pela sua dimensão.
Ao final do dia chegaram a Portugal dois Canadair franceses para ajudar. Os aparelhos pertencem à Força de Reserva da UE e foram accionados anteontem.
Desespero às portas de Viana do Castelo - "Esqueceram-se de nós", gritava, desesperado, António Maciel enquanto tentava apagar labaredas de vários metros de altura com a mangueira que antes regava o jardim, em Cardielos, Viana do Castelo. O jardim desapareceu, a casa escapou, mas o relato mostra como ontem, sem meios, foram os populares e os poucos bombeiros a apagar as chamas à volta das casas.
Dezenas de habitações foram ameaçadas durante a tarde, enquanto o desespero pelos reforços tomava conta de todos. Inclusive do presidente da Câmara de Viana, que a cada dez minutos não largava o telemóvel a reclamar apoio do Ministério da Administração Interna.
"Estou desesperado. Quando vejo os meios a serem canalizados para uma área protegida em que está a arder mato e nós temos casas a arder há dois dias e ninguém nos manda apoio, gera indignação", afirmava o autarca do PS, José Maria Costa. O incêndio, que já vinha do dia anterior depois de alastrar de Perre e Outeiro, acabava de atingir o ponto crítico e deixava a cidade, a cinco minutos de distância, em alerta, face ao fumo negro. No local a situação era tal que o fogo já obrigava ao corte da A27 e da EN202, devido às chamas e ao fumo, o que praticamente isolou a freguesia. E reforços, nem vê-los, com excepção de uma viatura dos Voluntários de Caminha. O resto do combate, em várias frentes de gigantesca dimensão, cabia apenas aos homens das corporações da cidade.
"Filha, fecha a casa e vamos embora. Seja o que Deus quiser", dizia António, enquanto era quase obrigado pelos bombeiros a abandonar a residência. Um dos muitos que foram evacuados e assistidos pelo INEM, sobretudo com problemas respiratórios. As chamas e o fumo que tornava o ar irrespirável obrigaram à mobilização de dezenas de ambulâncias das corporações da cidade, da Cruz Vermelha e do INEM.
Já passavam mais de duas horas desde que as chamas se agudizaram. João é filho de emigrantes portugueses em França e quando deu por si estava em cima do carro dos bombeiros a atirar mangueiras em apoio. "É para tentar salvar a casa dos vizinhos", gritava, sem perder mais tempo. "Estamos há dois dias com dois grandes incêndios e à espera de reforços nacionais que não chegam. Imagine-se que tivemos que desguarnecer o outro incêndio, em Subportela, desviando os meios da outra margem para aqui", dizia ao DN o autarca de Viana.
Milagrosamente, além de algumas casas chamuscadas, os bombeiros e a população conseguiram salvá-las. O mesmo não aconteceu com um armazém de compostos eléctricos da empresa Electro-Minho, que ardeu. "O problema é que tinha no interior transformadores carregados de óleo. Se o fogo chegasse a essa zona seria gravíssimo", explicou ao DN fonte dos bombeiros.
Já passavam alguns minutos das 16.00 quando o primeiro helicóptero chegava ao local. Duas horas depois de entrarem em acção os vários meios aéreos, desde aviões pesados e helicópteros, e com um total de 150 homens no terreno, o fogo começava a ceder. Para trás ficava o rasto de destruição que atingia já as freguesias de Perre, Outeiro, Santa Marta de Portuzelo, Cardielos e Nogueira.
Aldeia cercada por fogo que arde há 6 dias - "Reúnam a aldeia aqui no centro. Contem crianças, idosos, e não deixem ninguém sair." A ordem é assertiva e antevê o que se vai seguir. Mas é impossível de fazer cumprir. Os dois bombeiros junto ao cruzeiro da aldeia de Lourosa da Trapa, ainda tocam uma campainha, tentando reunir as pessoas. Mas a atenção está focada nas labaredas que ameaçam casas à entrada da aldeia. Já ali em cima.
"Hoje vai tudo", vaticina Gracinda, protegendo a vista com a mão. Ouvem-se choros e gritos, cortados pelo roncar das chamas que fazem até crer que um avião se aproxima. Os homens correm para cima, esbaforidos, as mulheres e crianças para baixo, evacuadas pelos bombeiros.
O fogo desta aldeia de São Pedro do Sul é o mesmo de sexta-feira que, de reacendimento em reacendimento, tem espalhado destruição. Mas os homens que guinam os autotanques pelas ruas estreitas e muradas são de Lisboa, desterrados há mais de dois dias.
Uns protegem a casa de Hermínio Mendes, com a sua ajuda. Ele estica mangueira, a filha Carla e os filhos da vizinha Arminda, põem a mesa no degrau: chouriço, queijo, água, pão e fruta. "Só este gajo é que limpa isto", atira Hermínio, irónico, referindo-se ao fogo e à falta de limpeza do pinhal que lhe ameaça a casa. O fumo branco prova que aqui o pior já passou. E os bombeiros de sorriso agradecido seguem para outra frente, deixando-lhe o rescaldo nas mãos.
O fogo segue o trajecto antevisto. Depois de ameaçar a aldeia por cima, rodeia-a pela esquerda, lançando mais pânico. Meia hora depois, já respirando de alívio por não terem mais do que quintais ardidos e almas sobressaltadas, populares apercebem-se de nova frente de fogo, pelo lado direito, capaz de queimar o que ficou ainda por arder.
Susto em Sintra com três frentes activas - Um incêndio com três frentes activas assustou os moradores do Belas Clube de Campo, em Sintra. 331 bombeiros, apoiados por 101 viaturas e um helibombardeiro combateram as chamas durante cinco horas, tendo sido dadas como dominadas às 20.00.
O Presidente da Câmara de Sintra, Fernando Seara, atribuiu a causa do incêndio à "irresponsabilidade da cidadania", salientando que foi o terceiro foco de incêndio em poucos dias. O autarca garantiu na zona "a limpeza de mato e floresta".
Uma das preocupações foi garantir que o fogo não se aproximava de casas. No campo de golfe ligaram-se os sistemas de rega, o que ajudou a descansar quem assistia ao avanço das chamas. Serra das Olelas, serra da Piedade e Tapada de Vale dos Lobos foram zonas afectadas.
O comandante distrital de Operações de Socorro de Lisboa, Elísio Oliveira, afirmou que devido às previsões da meteorologia "de noite quente, o dispositivo manter-se-á, pois o trabalho de consolidação seria feito durante seis horas, para evitar reacendimentos".

Amadeu Araújo, Rita Carvalho, Paulo Julião e Elisabete Silva
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Fonte (Texto e imagem): DN Portugal

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