Compostos químicos presentes em detergentes e lançados em zonas costeiras através dos esgotos estão a provocar alterações hormonais em amêijoas brancas que podem estar relacionados com problemas de infertilidade de quem as consome, diz uma especialista da Universidade do Algarve. O fenómeno foi detectado pela primeira vez em Portugal no rio Guadiana por uma equipa de investigadores do Grupo de Ecotoxicologia e Química Ambiental do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve (UAlg).
A alteração sexual em búzios - que provoca que fêmeas se tornem machos -, já era conhecida, mas a alteração inversa na amêijoa branca (ou lambujinha) é um fenómeno mais recente, disse uma especialista. Segundo Maria João Bebiano, coordenadora daquele grupo, alguns compostos de detergentes ou medicamentos lançados no ambiente através dos esgotos estão a alterar o funcionamento normal do sistema endócrino das amêijoas brancas.
O fenómeno dá pelo nome de "intersex" e consiste na existência simultânea de características femininas e masculinas no mesmo organismo, sendo que a tendência é que as amêijoas "macho" se tornem em fêmeas, explica a investigadora. Estas alterações podem não só implicar falhas reprodutivas e consequentes rupturas nos "stocks" de amêijoas brancas como afectar o funcionamento hormonal das pessoas que as ingerem, diz a especialista.
Embora tenha menos valor comercial e seja menos consumida do que a amêijoa preta, a branca acumula componentes químicos que podem estar relacionados com alguns problemas de infertilidade ou diminuição de esperma em humanos, segundo Maria João Bebiano. Isto porque os efluentes, apesar de parcialmente tratados, mantêm uma carga tóxica, o que podia ser atenuado se as Estações de Tratamento de Águas Residuais (Etar) estivessem preparadas para tratar esses compostos.
"As Etar não se adaptaram tecnologicamente ao que é lançado no ambiente e não tratam derivados de detergentes ou medicamentos rejeitados pelas pessoas, o que faz com que se produza um 'cocktail'", observa a investigadora.
Depois do fenómeno ter sido detectado no rio Guadiana, uma equipa de dez investigadores do CIMA está agora a fazer levantamentos noutros locais do Algarve, nomeadamente na Ria Formosa, nas zonas de Tavira e Faro. O fenómeno também ocorre nos búzios, à escala mundial, mas é causado pelos compostos químicos presentes nas tintas utilizadas nos cascos dos barcos e que servem para evitar a fixação de alguns organismos.
"Basta uma pequena concentração de químicos para provocar isto, o equivalente a duas chávenas de chá numa piscina olímpica", exemplifica a investigadora, salientando que o fenómeno é quase tão perigoso como as alterações climáticas. Segundo Maria João Bebiano, deveria haver um controlo mais rigoroso dos compostos químicos expelidos nos efluentes ou a tentativa de encontrar no mercado produtos alternativos aos detergentes comuns.
A equipa do CIMA que está a estudar o fenómeno vai começar a recolher amostras de amêijoas e a analisá-las em laboratório com a finalidade de verificar se estão a ocorrer mudanças de sexo, esperando-se que haja resultados em Setembro.
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